Para falarmos de
violência e não-violência, em um mundo cheio de conflitos e atos de violência e
agressões, precisamos definir alguns conceitos e definir de onde estamos
falando. Vamos falar um pouco da “cultura da paz”, um conceito que surgiu na
ONU (Organização das Nações Unidas), e que nos ajuda a separar o jeito violento
do não-violento de enfrentar os conflitos. De modo resumido, podemos
identificar três dimensões da cultura da paz, de acordo com Marcelo Rezende
Guimarães:
3. Por fim, a cultura
da paz não é uma situação já dada, nem atingida por decreto. Ela é um processo, uma construção social. Nesse
processo de construir uma cultura da paz, os movimentos sociais reforçam
um protagonismo especial: as mulheres, as minorias étnicas, a classe
trabalhadora, os pobres de todo mundo, ou seja, grupos que sofrem violações de
direitos humanos e que lutam contra elas são os construtores do avanço da cultura
da paz.
Há muitas pessoas que falam de violência como se fosse uma
força presente na natureza, como se crimes e agressões fossem fenômenos naturais
ou parte natural da vida. Da mesma forma que a paz, a violência é uma criação
do homem. Sem nenhuma regra fixa, a violência apresenta-se na sociedade de
acordo com a arrumação social. Para enfrentar as injustiças, é preciso lutar.
Mas lutar, no sentido comumente usado pelos movimentos sociais, não é ir à
guerra, nem reagir com violência. Às vezes, a luta assume uma face agressiva,
com o propósito de criar as condições para o diálogo. Só é possível haver
diálogo quando existe uma relação de forças menos desigual.
A agressividade não
se opõe à paz; pelo contrário, ela é necessária como forma de reação às
injustiças. Nesse sentido, o contrário de agressividade é a passividade, o
conformismo. Agressividade é entendida pelo pai da psicanálise, Freud, como uma
força vital de cada pessoa, necessária para superar os obstáculos e as limitações
próprias do cotidiano. A agressividade faz parte da natureza humana, assim como
os conflitos.
A Organização
Mundial da Saúde (OMS) definiu a violência como: “O uso intencional da força
física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa,
ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande probabilidade
de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento
ou privação”.
Violência é
qualquer ação que viola os direitos humanos. Pode ser física, psicológica
ou moral. O povo brasileiro é comumente visto como cordial; no entanto, no
Brasil os direitos humanos são aviltados, quase o tempo todo.
Hoje acontece um
processo que é chamado de “banalização da violência”. A violência é tão comum,
tão presente no dia-a-dia, que as pessoas não se incomodam mais com ela. Isso
já é uma forma de violência contra as pessoas, que acabam se acostumando com
uma situação insuportável. A violência e o crime nas grandes cidades são
exemplos dessa banalização.
Uma área da
psicologia diz que a agressividade faz parte da energia humana e que,
dependendo da circunstância, pode se transformar em violência. A agressividade
é como água, pode irrigar ou inundar, depende de como focamos essa energia;
podemos usá-la para coisas boas, colhendo bons frutos, ou para coisas ruins, gerando
a violência. A energia que faz um militante ir à rua para uma passeata é, muitas
vezes, a mesma que faz outra pessoa quebrar um ônibus numa greve ou queimar
pneus na rua, para impedir a passagem de carros. Como dissemos, os conflitos
fazem parte do ser humano, mas podem ser violentos ou não-violentos, dependendo
da atitude das pessoas.
Para resolver
problemas, devemos ser agressivos, mas sem usar da agressão. Ser agressivo
significa apresentar nosso ponto de vista, nossas opiniões e lutar pelo que
acreditamos e pelo que defendemos, respeitando os princípios dos direitos
humanos.
Nós somos muitas
vezes educados para a violência, e precisamos reconhecer isso se queremos mudar
nossa realidade. Não basta reagir à violência ou à cultura de violência, mas é
preciso pensar como construir uma sociedade verdadeiramente pacifista e uma
cultura de paz. A pró-atividade – uma atividade que se projeta para frente –
incluiria, é claro, uma dimensão sanativa, de cuidar e atender às vítimas da violência,
como também uma dimensão preventiva, privilegiando, especialmente, o caminho
educativo. Para Gandhi, “A humanidade somente acabará com a violência através
da não-violência”.
Uma das propostas
quase sempre apontada como solução da violência nas cidades é o aumento das
polícias. Essa é uma compreensão que a Roma Antiga tinha da paz – isto é, “Se
queres a paz, prepara-te para a guerra” (Si vis pacem, para bellum).
Entretanto, sabemos que a humanidade não avançará na prática dos direitos humanos
apenas por decreto, ou por lei, muito menos apenas fortalecendo a polícia.
O fim da
impunidade, por exemplo, é um passo mais importante para diminuir a
violência do que
colocar mais polícia na rua.
Geralmente,
violência e conflito são entendidos como a mesma coisa, mas existem diferenças
importantes entre essas duas palavras. Como vimos antes, a violência é o modo
como respondemos a uma determinada situação, prejudicando e anulando a outra
pessoa, ou quando somos anulados e prejudicados por outra pessoa.
A violência não faz
parte da natureza humana, mas é aprendida dentro de uma cultura violenta.
Quando pessoas,
grupos ou nações apelam para a violência para acabar com seus conflitos, elas
não estão “resolvendo” nada. Muitas vezes, os conflitos apenas pioram. Quando
um dos lados é mais forte que o outro, uma das formas que esse lado se utiliza
é de não reconhecer a existência de conflitos; negar a existência do conflito também
é uma forma de violência. Quando o lado mais fraco se submete à imposição do
lado mais forte, ele também alimenta a violência por não reagir à imposição autoritária
do outro – isso é o que chamamos antes de passividade, que é diferente do pacifismo.
Negar os conflitos não contribui para uma cultura de paz.
Construir uma
cultura de paz exige que reconheçamos a existência de conflitos. Esse é o
primeiro passo para resolver conflitos através do diálogo e de ações não-violentas.
Quando você reconhece que o conflito existe, é o primeiro passo para ouvir o
outro lado e começar um diálogo com respeito e igualdade.
Ser não-violento
não é sinônimo do ser passivo, mas sim pacífico. Ser passivo é fechar os olhos
diante de uma situação de injustiça, é aceitar a injustiça ao invés de assumir
a responsabilidade de lutar contra ela. A passividade é causada, em geral, por
medo das conseqüências do enfrentamento, ou por fraqueza de lutar pelas mudanças.
A não-violência nos
direitos humanos é feita a partir da participação em um movimento organizado,
articulado e estruturado. Isso leva as pessoas a se incluírem em uma luta mais
ampla, da humanidade que busca a paz. A não-violência também se opõe à contra-violência,
que é uma forma de reagir à violência com outros meios violentos.
Para usar a
não-violência como estratégia de enfretamento dos conflitos, podemos usar três
recursos: não-cooperação com as injustiças; intervenção nãoviolenta
e divulgação dos direitos humanos.
No entanto, é
preciso cuidados, pois uma determinada concepção da paz pode esconder o que
justifica a violação dos direitos humanos, da pobreza, da miséria.
A violência não se
exerce apenas por meio da agressão física ou armamentos, mas
também através de
outras formas simbólicas, mas não menos perversas.
Fonte: Curso à distância: Direitos Humanos e Mediação de
Conflitos.