Segue logo abaixo um breve relato de um educador da rede
pública estadual de São Paulo.
Não
apenas o sistema educacional do estado de São Paulo, mas de grande parte do
Brasil está completamente abandonado. Infelizmente tem sido porta estandarte
para todo tipo de oportunista com discurso bem elaborado, desejosos apenas em
se dar bem à
custa
dela.
Neste
sentido, refiro-me às mais variadas personalidades deste estado que defendem
fervorosamente a afetividade por parte do educador de maneira populista, sem
sequer exercer ou querer exercer a atividade nesse meio, e também à atuação sindical,
que há muitos anos, tornou-se estritamente política com ênfase em atividades de
palanque. Contando ultimamente com a participação de personalidades políticas de
âmbito federal consagradas por escândalos de corrupção, no intuito de utilizar
a categoria como massa de manobra, através do ódio, para fortalecer os
interesses dos partidos de oposição.
Reiterando
que não é objetivo do presente texto manifestar uma opinião contrária à greve
da categoria, mas sim contra os verdadeiros motivos pelos quais elas são
organizadas.
Tem
sido muito difícil atribuir credibilidade à atuação sindical, considerando que
ela também tem ignorado uma série de falhas administrativas e de contrariedade constitucional
por parte da Secretaria do Estado da Educação de São Paulo, entre elas a prova
que contemplou aumento para apenas vinte por cento dos professores titulares de
cargo.
Todo
esse caos estabelecido neste setor, não é simplesmente uma questão de
ingerência do governo e de sua respectiva secretaria, mas sim de um processo de
décadas e complexo que envolve o conformismo de muitos, incluindo a própria categoria,
a comunidade que necessita deste serviço e ao restante da sociedade pagadora de
impostos.
Pode-se
levar em consideração, também, que este processo de decadência deu- se no
governo Paulo Maluf, entre o final dos anos 70 e início dos anos 80, de acordo com
os professores mais antigos na rede, e que os sucessores do PSDB tenham dado continuidade
a esse transtorno rebaixando diversos aspectos e segmentos de nossa atividade a
meros números de tabelas estatísticas, com o único intuito de ser mais aprazível
para com as exigências do Banco Mundial do que com as necessidades reais da
população. Obviamente inclui-se nestes quesitos o maior absurdo de todos, que é
a Aprovação Automática, formalmente intitulada de Progressão Continuada.
Sobre
este sistema, de acordo com a opinião da maioria quase absoluta, o próprio
senador Cristovam Buarque em resposta ao autor deste texto no “Twitter” disse que
“a Progressão Continuada corresponde a dar alta a um paciente somente por que o
tempo passou”.
Nestes
últimos quinze anos, a Progressão Continuada não foi nada além de um artifício
para manipular o número de aprovações ignorando completamente a qualidade da
aprendizagem.
Convém
lembrar, também, que falta aos professores a consciência de que todos são parte
do sistema em que atuam e que se tudo isto que acontece em seu ambiente trabalho
é consequência do individualismo e da desunião. A categoria tem perdido a própria
identidade moral perante esta opressão, sem senso de coletividade e articulação
para lutar pelos próprios direitos e zelar pelo bom andamento de seus deveres.
Digladiamos
por motivos pequenos e sem zelo pelo próximo. Os maiores prejudicados com essa
desorganização e falta de articulação somos nós professores, e o pior, “nossos
alunos”.
Entre
vários exemplos, pode-se citar a atuação de um diretor de escola, que em geral,
preocupa-se exclusivamente com os resultados das avaliações ignorando completamente
o aprendizado do aluno.
Isso
faz com que um professor trabalhe contrariado, pois para avaliar o desempenho
de uma classe exige o empenho de horas a fio, fora do horário de trabalho, em
meio a correções de provas e trabalhos, mas este tipo de cuidado e atenção
tornam- se banais e desnecessários quando o desempenho da classe não está bom,
pois será mais fácil para o diretor dizer ao professor que as notas não foram
boas por que ele não soube ensinar bem, pouco importando se houve interesse do
aluno em aprender.
Dentro
deste lamentável contexto sinto-me na obrigação de dizer a Vossa Excelência que
isto faz com que muitos docentes avaliem o aluno com exercícios superficiais
somados a insignificantes notas de participação, manipulando assim todo o resultado
na caderneta e no boletim neste processo de legitimação do falso.
Também
que aluno se esforçará para melhorar se ele sabe que a passagem para o ano
seguinte está garantida? Pois eu digo que são os poucos e raros exemplos, que incluem
aqueles que os pais acompanham a vida escolar do filho.
Gostaria
de entender o porquê do sindicato da categoria permitir que exista uma política
de Progressão Continuada.
Eu não
atuava na educação quando tudo isto começou, no governo Mário Covas com a
secretária Rose Neubauer, se isto em vez de ser uma política fosse um bebê do sexo
feminino, hoje já seria uma adolescente de quinze anos muito problemática e causadora
de estragos.
A luta
do professor não pode somente se resumir em melhoria de salário quando chegamos
a um ponto em que perdemos toda a autoridade em sala de aula, além de toda a
credibilidade perante a sociedade.
Há uma
grande necessidade de expor a farsa que a profissão se tornou em função do
descaso. Sob o pretexto da sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente, tornou-se
rotina o aluno menor de idade nos ofender e fazer o que bem entende, pois ele está
ciente de que não haverá a devida punição. Isso quando não tira nossa própria
vida por tomarmos a devida iniciativa para livrar a escola do tráfico.
Falamos
em projetinhos motivadores, quando uma escola particular de qualidade continua
sendo conteudista com firme propósito em preparar o aluno para um vestibular e
consequentemente para o mercado de trabalho.
Que
participação um aluno de escola pública terá neste tão falado crescimento econômico,
quando mal sabe ler e escrever? E no atual contexto, nada melhor que os resultados
do Exame da Ordem dos Advogados, em que as principais falhas estão na educação
de base.
Quanto
às apostilas cedidas pelo governo, há um único objetivo, enriquecer as editoras
e universidades que ganham a licitação para publicá-las. Como sou professor de
inglês, respondo apenas pela disciplina que leciono e uma coisa é certa, não
houve a menor preocupação na seleção de um conteúdo de acordo com a realidade da
sala de aula.
Para
nosso tipo de clientela, atividades mais dinâmicas com música são as mais
aconselháveis e as mais próximas de um aprendizado satisfatório, mas com um currículo
obrigatório e imposto, as coisas ficam mais difíceis, ainda mais levando em conta
que o conteúdo imposto é extremamente avançado e de dificílima assimilação, são
atividades direcionadas para quem tem um conhecimento prévio da língua com propósito
de aperfeiçoá-la e não para quem está em fase de estímulo e aprendizado. Este
exemplo
das apostilas mostra claramente a distancia que há entre as elites acadêmicas e
o contexto real do ensino público. Uma distancia que representa a diferença
entre a fantasia e a realidade. Por que não há trabalho de Campo para que os
acadêmicos tenham uma participação direta na melhoria do ensino público?
Não
tirando a credibilidade das publicações da imprensa em geral, que são baseados
em números oficiais, a exemplo das últimas sobre a piora do desempenho em língua
portuguesa, me deixa na obrigação de dizer que a coisa, na realidade, está
muito pior, quando digo pior, é aquele pior que nenhum ser humano em sã
consciência seja capaz de acreditar ou até mesmo imaginar, parafraseando o
Capitão Nascimento da Tropa de Elite, “nada é tão ruim que não possa ficar
ainda pior”.
Infelizmente,
muito do que estou dizendo não está embasado em provas, mas sim de uma vivência
de onze anos neste setor, onde fui testemunha de tudo que é inimaginável e que
nem ousei relatar.
A
educação subsiste de aparências e o rendimento do aluno está muito abaixo dos
números oficiais. A exemplo do Saresp, a tarefa de corrigir redações é uma das
mais árduas e decepcionantes, é a prova viva de que nossos alunos beiram o
analfabetismo e que muitas vezes o professor que as corrige, as contempla com
nota média para não prejudicar a escola. Mas para determinadas Diretorias de
Ensino, tal procedimento é inaceitável, pois há comentários de que seus
representantes se dirigem a escola ordenando os professores a adulterar estes
resultados para notas boa e ótima.
Sabe o
que atualmente acontece conosco? Metaforicamente temos uma função de buscar
água de um rio a uma longa distância, mas o instrumento para tal função que nos
é imposto é uma peneira, retornamos do rio carregando um punhadinho de água nas
mãos, pois a maior parte não deu pra segurar, e ficamos alienados comparando
quem conseguiu buscar mais água.
Fora
isto, temos este salário vergonhoso que não compra a nossa própria dignidade,
sem falar nas diferenças gritantes de salário causadas pela última avaliação de
professores, que objetivou contemplar aumento para apenas 20% dos professores efetivos,
independente do bom desempenho ter ultrapassado a marca dos 20% de professores,
desmerecendo 80% da categoria que faz o mesmo trabalho.
Enfim,
Ex.ma Deputada, o buraco da educação é bem mais fundo do que parece, desnudar
esta realidade cruel exigiria o empenho de um jornalismo investigativo e
audacioso para mostrar ao mundo a pouca vergonha que isto se tornou.
Quanto
às soluções, estas dependem de uma política honesta, não digo isso como
representante de oposição, e sim como professor e cidadão.
Cordialmente,
Rodrigo Rodrigues
Santos, 30 de julho de 2011.