Este trabalho
pretende apresentar duas experiências de serviço social no campo educacional, a
primeira, um recorte da relação do
assistente social em uma atividade sócio-ocupacional, emergente se comparado a
outras realidades, mas que por sua vez, a experiência relatada conta com uma
história de 20 anos de serviço social escolar. A segunda apresenta um ensaio
extensionista em que se demonstra à contribuição dos estudantes de serviço
social identificando que o saber não é uma totalidade própria a um único campo
de conhecimento, - a pedagogia de Paulo Freire está repleta de contribuições
interdisciplinares – e o serviço social bebendo no grande educador pernambucano
pode encontrar sua ação profissional e contribuir para a construção de “um
outro mundo possível”. É, portanto fundamental apreender os limites e
possibilidades de uma ação educativa inserida num universo multicultural
crítico e transformador.
A Eseba escola de aplicação da
Universidade Federal de Uberlândia tem em seu quadro uma assistente social
desde 1988. Fato que para a época foi uma conquista significativa, sendo
vanguarda no serviço social na cidade e, até os dias de hoje esse posto de
trabalho permanece na instituição pública federal de educação e tem um espaço que
foi consolidado. Porém, o trabalho desenvolvido anterior a agosto de 2008 não
tinha a totalidade dos registros disponíveis nos arquivos do Serviço Social e
houve projetos importantes desenvolvidos pelas assistentes sociais com
adolescentes que não foram localizados os registros. Havia informação do
trabalho de modo fragmentado, não foi possível divisar uma linha de tempo para
os eventos do processo de trabalho profissional. Nos poucos registros
encontrados pode-se perceber que houve uma expressiva presença do serviço
social na relação com a educação. Um fato digno de nota, que em certa medida,
fez parte da história do serviço social em seu vasto campo de atuação é que,
principalmente, entre os anos 1980 e boa parte dos 1990 o serviço social passou
por momentos de crises em relação a sua identidade e assim, o profissional
desse período assumiu muitas atribuições que, ora, se caracterizavam por sua
competência ora, eram demandas ou requisições que não compunham o conjunto de
processo de trabalho pertinente à categoria, mas a prática sincrética do
serviço social favoreceu uma permeabilidade a amplo espectro de ações
profissionais entendidas como de sua competência nesse bojo de possibilidades
que vão além do traço polivalente que a profissão enseja.
A prática sincrética,
contudo, tem irradiações de outro alcance que o traço polivalente. Enquanto se
mostra o padrão recorrente do exercício profissional, não só se apóia em
parâmetros sincréticos e culturais que o referenciam. A pouco e pouco, a sua
estrutura sincrética penetra esses parâmetros: a prática sincrética tanto faz
emergir elaborações formal-abstratas sincréticas quanto as requisita. (NETTO,
2007, p.107)
Assim, a assistente social “fazia de
tudo” de papel de eventual em sala de aula até entregar recados e documentos do
trânsito administrativo, sem falar na velha função fiscalizadora de
mensalidades da “caixa escolar” junto às famílias dos alunos/as.
Assim, a ausência de identidade
profissional acaba por configurar um grave problema de graves consequências,
pois fragiliza a consciência social da categoria profissional, impedindo-a de
ingressar no universo da "classe em si" e da "classe para
si" do movimento operário. (MARTINELLI, p.19 1993)
Em 2008, assumimos a vaga de Assistente
Social em função da profissional da unidade ter sido transferida. Inicialmente,
o organograma nos vinculava ao núcleo psico-social da escola e para nossa
surpresa quando procuramos as profissionais do setor a compreensão que tinham
do nosso trabalho é que devíamos atuar em outro espaço que não aquele.
Reforça-se na resistência de outros profissionais componentes da subalternidade
profissional que Iamamoto (2008) destaca na análise histórica da categoria. Dessa
forma, o primeiro embate de trabalho foi de ordem política. Assim, nos vinculamos
oficiosamente ao “CARO aluno e professor[i]” – no qual o
processo de trabalho definia-se por atendimento a alunos/as, famílias e
docentes, mais se configurando como uma ouvidoria da comunidade escolar, com a
missão de distencionamento das contradições inerentes ao cotidiano.
Quando do momento de entrada no campo
optamos por fazer uma análise de conjuntura dos elementos internos e externos à
comunidade escolar e, daí em diante, propor um plano de trabalho para a
diretoria institucional. Um facilitador para essa “leitura de mundo” (FREIRE, 1987)
foi à participação ativa nas várias reuniões coletivas da Escola, em que foi
possível apreender as dimensões do projeto político pedagógico, localizar os
diversos campos de força e seus nucleamentos de natureza coletiva que interagiam
no campo institucional. Como o espaço da educação possui seu código de
linguagem específico, esse momento de aproximação com os demais profissionais,
permitiu a captura de importante mecanismo dialógico de interação coletiva, - a
linguagem.
O homem se comunica
através de signos, e estes são organizados através de códigos e linguagens.
Pelo processo socializador, ele desenvolve e amplia suas aptidões de
comunicação, utilizando os modos e usos de fala que estão configurados no
contexto sociocultural dos diferentes grupos sociais dos quais faz parte..
(MAGALHÃES, 2003, p.22)
O assistente social sintonizado com seu
tempo está atento a esse importante detalhe do cotidiano pois que a linguagem
está diretamente vinculada à trilogia da intervenção: teórico metodológico,
técnico operativo e ético político[ii].
O teórico metodológico é apreendido gradativamente pelo assistente social uma
vez que este não domina todos os conceitos de todas as competências
profissionais e teóricas. Assim, necessita conhecer os códigos e referências teóricas
para melhor compreender a epistemologia em que são matizados os métodos de
trabalho. O técnico operativo se vale da linguagem para construir os consensos
na implementação do processo de trabalho frente às contradições inerentes ao “mundo
da palavra que constrói as coisas"[iii]
entre homens e mulheres,- ou seja, o “savoir
faire” que nos identifica no conjunto interdisciplinar da escola a partir
de nossas especificidades profissionais. A linguagem no que se refere ao ético
político nos remete ao mundo dos valores profissionais do assistente social
quando se faz presente no comunicar uma fala crítica, pois, se fundamenta numa
intransigente postura democrática e emancipatória para garantir politicamente a
plena expansão dos indivíduos sociais na perspectiva da autonomia, recusa do
arbítrio e do preconceito[iv]
que configuram lesões profundas na história do povo brasileiro.
Como nos propusemos a tecer nesse ensaio
aspectos do processo de trabalho, iniciamos nossa atuação a partir dos arquivos
que nos foram legados pela colega que nos antecedeu. Pudemos constatar que
havia documentação para arquivamento permanente e, a de uso corrente. Foi
necessário fazer a separação desse material para colocá-los de modo disponível para
uso. Foram abertas pastas e catalogadas as informações referidas. Como não
havia mobiliário de escritório adequado solicitamos à administração as providências
e assim pudemos organizar a parte de registros e documentação que estava dispersa.
Foram criados formulários adequados ao processo de trabalho no que se refere ao
técnico-operativo para execução das visitas domiciliares, atendimentos
individuais, solicitação de comparecimentos e solicitação de encaminhamentos. A
preocupação de realizar esse procedimento se deu para garantir o registro de
trabalho, pois, havia muito pouca atividade disponível para consulta e memória.
Um destaque especial para o formulário de Diagnóstico Sócio-econômico criado para
traçar perfil dos alunos, o qual permitiu perceber no olhar sobre o contexto de
trabalho, um modo próprio de atuação, a identificação das competências
profissionais distintas entre a equipe interdisciplinar. Essa compreensão foi
percebida não somente no trato cotidiano, pessoal, mas, pelos demais colegas.
Pode-se dizer que o espaço profissional se firmou tendo como indicador o fato da
gestora educacional procurar alternativas no serviço social bem como, aquiescer
sobre questões de quebra de direitos de cidadania na comunidade escolar; a
exemplo, - o modo impositivo como era tratada a relação de cobrança das doações
voluntárias da caixa escolar. O serviço social se posicionou contrário ao
processo autoritário e, em certa medida, ilegal no trato com a questão, vindo a
convencer a equipe a partir de um exame da legislação até então desconsiderada.
Outro momento significativo foi o da apresentação do Plano de Trabalho profissional em que a
direção do que foi proposto delineou-se a partir do conceito da matricialidade
sócio-familiar, aplicado ao SUAS, como eixo fundante e, com enfoque especial,
para a atenção às famílias vulneráveis que fazem parte da escola. Observou-se
que por parte de algumas famílias há uma participação mínima, o que torna
necessário acompanhamento mais sistemático e teleologicamente estruturado para
contemplar os laços família/estudantes. Ao adentrar no campo da família emergiu
novas colaborações do Serviço Social no que se refere à relação da Escola e o
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. O diagnóstico nos primeiros
atendimentos mostrou-se de pronto nas situações de violação de direitos das
crianças e adolescentes na relação familiar e, por outro lado, embora a escola
adotasse o procedimento de encaminhamento dos casos aos órgãos de direito, como
é recente o protocolo de notificações ao Ministério Público e Conselho Tutelar,
a escola foi tomando consciência da seriedade desse trabalho, atribuição do
Assistente Social.
Outra experiência em escola pública da
rede estadual propiciou-nos outro tipo de experiência. Dessa vez, associada a
extensão universitária na qual estudantes de serviços social de 2º período,
elaboraram conteúdos básicos aplicados a um grupo de estudantes da 3ª série do
Ensino Fundamental, versando sobre o tema da Carta da Terra (versão para
crianças) e, outro grupo de estudantes de 6 º período de serviço social elaboraram
uma cartilha de direitos sociais, discutindo os programas do SUAS (Bolsa
Família e BPC) para debater com pré-adolescentes do 6ª série do Ensino
Fundamental a importância dos direitos sociais e os mecanismos de acesso. Os
encontros foram durante 12 semanas duas vezes por semana com 50 minutos de
duração após as aulas formais. Para nossa surpresa o impacto foi positivo em
todos os sentidos, pois houve adesão dos secundaristas, e a direção da escola
posicionou muito favorável aos temos abordados pois trouxe o olhar diferente
para o debate das questões apresentadas. Um detalhe importante é que a adesão
dos alunos secundarista foi voluntária e espontânea, e os trabalhos que eles
fizeram foram expostos na escola e se sentiram valorizados e motivados na
atividade.
Como um ensaio inicial de natureza
extensionista, os alunos do curso de serviço social, da mesma forma, se
mostraram implicados, considerando que as atividades transcorriam no final da
tarde, por volta das 17h e muitos se desdobravam em suas atividades de trabalho
para estar no horário combinado na escola estadual, onde as oficinas eram
ministradas. Nos depoimentos dos alunos e alunas universitários foi unânime o
nível de satisfação, em especial, pelo modo que a experiência se deu seguindo
os parâmetros do projeto ético político profissional no sentido de tornar a
garantia de direitos sociais amplamente discutida no âmbito da percepção dos
pré-adolescentes, público diferenciado do ponto de vista dos contatos
extensionistas.
Aqui se pretendeu trazer duas
experiências de serviço social escolar, uma primeira, no recorte da relação do
assistente social em uma atividade sócio-ocupacional, emergente se comparado a
outras realidades, que por sua vez, conta com uma história de 20 anos, - um
novo no velho. Pode-se notar que ao contrário do que alguns profissionais do
campo educativo temem no tocante a uma disputa de espaço ocupacional, pode-se
comprovar que tal temeridade, totalmente injustificada, não passa de uma
incompreensão do papel do assistente social na educação. Desde que se permita
nossa intervenção crítica, sintonizada a nosso projeto ético político, a
sociedade tem muito a receber de nossa caminhada traçada na luta e nos espaços
de garantia de direitos sociais.
Na segunda experiência pode-se notar que
diferente do que se imagina na visão conservadora, o saber não é uma totalidade
própria a um único campo de conhecimento, a pedagogia de Paulo Freire está
repleta de contribuições interdisciplinares sem ferir em absoluto, a meritória
atividade docente dos profissionais da educação. É, portanto fundamental
apreender os limites e possibilidades de uma ação educativa inserida num
universo multicultural. O serviço social vem fazendo sua trajetória crítica e
tem conseguido demonstrar com ética e profissionalismo as suas habilidades e
competências promotoras da cidadania, da liberdade e da garantia de direitos
sociais.
A nosso ver, a construção do processo de
trabalho do assistente social na educação se consolidará independente de
qualquer ação externa de pessoas ou grupos. Não é algo que dependa
intrinsecamente de uma articulação política ou técnica. O que não quer dizer
que, a ação das organizações classistas e os Conselhos sejam ignoradas, elas
têm sua importância no processo como estruturadoras da atividade profissional
quando esta for definitivamente assumida na cultura.
Defendemos que a própria contradição da
sociedade capitalista é na ordem direta de seus desdobramentos o fator propositivo
a este espaço ocupacional. À medida que as contradições capital/trabalho se
acirram, a questão social tende a expandir sua complexidade nos vários setores
da atividade humana. A educação sempre foi incorporada na vida social como uma
instituição para tecer consensos, mediar a relação antropológica do homem e da
mulher com o mundo das coisas na cultura. Invariavelmente os fenômenos
contemporâneos envolvendo a família e a escola provoca a emergência de uma
demanda na instituição escolar que desde a LDB (1996), e os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1997) sugerem uma profissional de formação
interdisciplinar com competências entre o público, o privado e o comunitário,
para fazer as mediações que se apresentam como demandas de trabalho envolvendo
a comunidade escolar posto que, a escola sai de dentro dos seus muros para
fazer uma caminhada na comunidade em sua dimensão política de formação crítica.
Abreu (2008) apropriadamente fala em seu
trabalho de uma “pedagogia emancipatória” e é partindo dessa ideação crítica
que poderemos ir tecendo nosso processo de trabalho, talvez mais que uma
pedagogia, mas uma práxis emancipatória que possa pensar uma educação outra, -
não a educação das reformas -, mas a da transformação social para a autonomia
dos sujeitos.
[i]C.A.R.O.
aluno e professor –Coordenação Acadêmica para Relação e Orientação ao aluno e
professor. Este espaço institucional tem o objetivo de desenvolver um trabalho
educativo no sentido de intermediar situações de conflito relativas às questões
disciplinares, atendendo às necessidades de alunos/as e professores/as.
[iii]
Para Lacan (1998, p.277) é o mundo das palavras que cria o mundo das coisas,
ESCRITOS.
[iv]
O código de ética profissional defende o reconhecimento e a defesa de 11
princípios fundamentais. São eles: liberdade, direitos humanos, cidadania,
democracia, equidade e justiça social, combate ao preconceito, pluralismo,
construção de uma nova ordem societária, articulação com pos movimentos de
trabalhadores, qualidade dos serviços prestados e combate a toda espécie de
discriminação.
REFERÊNCIAS
ABREU, M. M. Serviço
social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática
profissional. São Paulo: Cortez, 2008.
CRESS. Legislação
social: cidadania, políticas públicas e exercício profissional. CRESS 11ª
Região: Curitiba, 2006.
IAMAMOTO, M. V. O
Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 15. ed. São Paulo:
Cortez, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17ª. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GERRA, Y. A
instrumentalidade do serviço social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
LACAN, J. Escritos.
Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo: Cortez,
1993.
NETTO, J.P. Capitalismo monopolista e Serviço social,
São Paulo: Cortez, 2007.
CARVALHO, R. de, IAMAMOTO,
M. Relações sociais e serviço social no
Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo:
Cortez, 2005.
MAGALHÃES, S. M. Avaliação e linguagem: relatórios, laudos e
pareceres. São Paulo: Veras; Lisboa: CPIHTS, 2003.
CFESS. Em questão: atribuições privativas do
assistente social. Brasília, Distrito Federal: CFESS, 2002.
AUTORES: Flander Almeida Calixto e Odete Dan Ribeiro