A chamada "quarta-feira de cinzas", tradicional
dia religioso no calendário da Igreja Católica, deveria ser denominada de
"O DIA DO LAMENTO".
Seria o dia em que muitos pais poderiam prantear seus filhos
mortos de forma prematura em inúmeros acidentes perfeitamente evitáveis.
E a QUARESMA, que dura quarenta dias, daria a estes pais tempo suficiente
para que seus lutos emocionais e suas feridas psicológicas pelo menos
diminuissem de intensidade.
A "quarta feira de cinzas" deveria ser um dia realmente cinzento: um dia de luto. Luto por todos aqueles que se esqueceram do valor da prudencia e se atiraram afoitamente à um entusiasmo sem o suporte da reflexão e não puderam mais voltar para casa.
Neste dia de luto todos seriam convidados a repensar sobre o
preço altíssimo que se paga numa cultura como a nossa que prioriza demasiadamente
o valor de uma "alegria" que parece romper todos os limites que nos
impedem de sermos felizes de forma simples e continuada.
Para muitas mentes não habituadas a repensar o valor dos
limites humanos, a "alegria" carnavalesca se parece com o
estado de consciência alterada proporcionado pelas drogas
alucinógenas. Estas últimas são consideradas ilegais, enquanto a
outra forma de "entorpecente" foi institucionalizada há
muitos anos.
Muitos outros experimentam a euforia de uma aparente
liberdade onde os deveres sociais, impostos em forma de leis, são plenamente
desconsiderados. Rompem-se as linhas demarcatórias do
convencionalismo comportamental para que sejam experimentados todos os impulsos
que durante o decorrer do ano, ficaram cerceados por uma vigilância moralista,
mas não moralizante.
Milhares de pessoas emocionalmente frágeis ainda precisam
experimentar a sensação fornecida pelo contato com grandes grupos humanos.
Parece que se pode voltar para um enorme "útero" que abriga em sí
diversificadas formas humanas. O indivíduo como que se funde com a massa
para poder esquecer o fardo de sua singularidade.
É a fusão e não a união que move os blocos carnavalescos ou
outras emoções que exigem intensidade sem reflexão. É o desejo de sair do
anonimato e assumir no próprio rosto a imagem de outros rostos.
A nossa cultura tolera e estimula estas buscas e estes
protestos diversificados, já que enorme soma de recursos financeiros é
mobilizada para alimentar os cofres públicos. O vazio humano tem um preço
muito elevado.................
Um filósofo chamado LAURENCE DURRELL, escreveu que
"buscamos preencher o vazio de nossa individualidade e por um breve
momento desfrutamos da ilusão de estar completos. Porém, é só uma
ilusão". É uma ilusão tentar preencher o nosso vazio
existencial com tudo aquilo que passa e deixa um vazio maior.
Um dos idealizadores da moderna psicologia, a TRANSPESSOAL,
o DR. ROBERTO ASSAGIOLI, concluiu que "o estado habitual da maioria das
pessoas é o de identificação com aquilo que, em dado momento, parece nos
proporcionar o maior senso de estarmos vivos e que nos parece mais real ou mais
intenso".
O problema não está, óbviamente, na sensação de alegria que
a cultura carnavalesca introduziu em nosso sistema social, mas na forma como a
"alegria" foi ampliada a ponto de proporcionar ao individuo o senso
de se estar vivo, dando-lhe a impressão de que sómente isto é real e intenso ao
passo que inúmeros outros valôres deixam de serem estimulados.
É por isso que a ilusão de se estar completo
desaparece na "quarta-feira de cinzas", porque este tipo de
"alegria" une e depois divide: a pessoa voltfa a experimentar a
singularidade de ter de conviver com as pequenas e fugazes alegrias cotidianas.
Se não fosse tão necessário este desejo de
identificação com este tipo de "alegria" que parece ser real e
intensa, onde o bom senso é sobrepujado, não precisariamos ter de ouvir o
lamento de muitos pais que choram sobre as cruzes frias que guardam os corpos
de seus filhos, após o êxtase coletivo ter terminado em cinzas, numa
quarta-feira.
Uma civilização sadia é aquela que repensa inúmeras vezes, e
discute abertamente, as consequências de tudo aquilo que ela considera
fundamental para o bem-estar de seus membros, porque o prazer procurado com
ânsia desmedidas transforma a liberdade em prisão, a alegria em tristeza e a
vida em morte.
Neste dia de "quarta cinzenta" bem que podiamos
ouvir, sómente, o bater cadenciado de um surdo anunciando o final de um intenso
prazer que mais uma vez mentiu dando a impressão que sua intensidade terminaria
de vez com o vazio que as grandes massas humanas sentem.
TARCISIO ALCANTARA