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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Indicação de Filme

Quero indicar hoje para vocês o filme "PRECIOSA", que ´e uma lição de vida e esperança, e nele é abordado o Serviço Social e podemos ver a atuação de uma Assistente Social, embora seja americana.

Uma história dura que aborda a violência familiar no âmbito afro-americano, em Nova York, narrada com muita sensibilidade, faz de Preciosa – Uma História de Esperança, de Lee Daniels, um filme contundente. Segundo o seu diretor, ele foi realizado com o objetivo de atingir o plano universal. E o atinge, pois conquistou, de início, os prêmios de público de dois importantes festivais: Sundance e San Sebastián.

Baseado no livro Push, de Sapphire (Ramona Lofton), o roteiro de Geoffrey S. Fletcher fixa a ambientação da história em 1987, no Harlem, de ruas imundas e prédios grafitados, onde vive Claireece Precious Jones (Gabourey Sidibe). Ela é uma jovem de 16 anos, obesa, semianalfabeta, grávida, que já tem uma filha, sofredora da síndrome de Down, sendo as duas crianças filhas de seu próprio pai.
Preciosa mora num cubículo claustrofóbico com a mãe, Mary (Mo´Nique), uma desempregada, intolerante, que se aproveita de programas de assistência governamental à criança Mongo (mongolóide), pela qual, na verdade, não se responsabiliza. Mongo vem sendo criada não por ela, mas pela bisavó em outro lugar. Quando a diretora da escola descobre que Preciosa está grávida, impede-a de frequentar as aulas, aconselhando-a a procurar uma organização que oferece cursos alternativos. É passando para esses cursos que ela vai conhecer algumas criaturas que se sensibilizam com a sua desventura ao ouvi-la clamar: – O amor não fez nada por mim! O amor me bate, me estupra, me chama de animal, me faz sentir uma inútil, enfim me deixa doente.
A primeira delas é a professora Ms. Blu Rain (Paula Patton), que estimula Preciosa a aprender a ler e a escrever um pequeno diário.
 
A segunda é a assistente social Ms. Weiss (Mariah Carey), que a leva a refletir sobre os males que lhe causam, mesmo que involuntariamente, a sua situação em casa. Quando ela se interna num hospital para dar a luz a Abdul, conhece o enfermeiro John McFadden (Lenny Kravitz), que lhe demonstra também certa ternura.
Para Daniels – que recebeu apoio, na produção e divulgação do filme, de Oprah Winfrey, apresentadora de um programa de televisão de grande audiência nos EUA -, o tema da violência doméstica não é inédito. Como produtor, tratou da questão em Tennessee, porém num tom mais ameno, distante do de Preciosa – Uma História de Esperança, o qual ele, como diretor, procurou, entretanto, atenuar, insuflando, na narrativa, elementos de fantasia e eflúvios de esperança. Assim, conforme explica, sem perder o espírito original, a película não é o livro que, se fosse transposto literalmente para a tela, resultaria em algo obscuro e torturante para o espectador.
 
Embora criativo, o realizador de Matadores de Aluguel não se arrisca a formular novos procedimentos de narração. Tudo, para ele, é na base do convencional. Mas dá extraordinária importância ao que se passa no interior das personagens para definir, em termos estéticos, a mise-en-scène. Por isso, exige muito dos atores – que, no geral, estão bem -, principalmente Gourney Sibide, uma estreante, escolhida para o papel da protagonista, entre mais de 400 candidatas, cujo aparecimento representou, para Daniels, segundo suas palavras, um verdadeiro milagre.
 
Sibide, tecnicamente bem preparada, interioriza satisfatoriamente o negativismo ingênuo de Preciosa que, ao ser atacada, tanto no lar como na rua, por desocupados que zombam de sua obesidade, se refugia sempre no mundo dos seus sonhos. E é justo nesses momentos de fantasia – sublinhados por uma trilha sonora de muita qualidade – que a atriz ilumina a tela com a luz do seu talento. Ou, em outras palavras, ela mostra, com categoria, que não foi só o atributo físico que lhe assegurou a escolha de Daniels para ser a Preciosa.
 
Outra estrela que brilha intensamente é Mo´Nique no papel de Mary, mãe da protagonista. Mais experiente, a atriz tem instantes memoráveis, especialmente quando, na sequência final, tenta, em diálogo, junto a Ms Wiess, conseguir o retorno de Preciosa e Abdul para casa. Identifica-se, graças à sua esplêndida atuação, que Mary agira, em relação à filha, como um animal. Fora mãe apenas por instinto, jamais por reflexão. Só quando se viu sozinha, sem o amante, Mary compreendeu que necessitava da companhia da filha. Mas então já era tarde.
 
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
 

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Dias Melhores, por Arnaldo Jabor

Ando em crise, numa boa, nada de grave. Mas, ando em crise com o tempo. Que estranho "presente" é este que vivemos hoje, correndo sempre por nada, como se o tempo tivesse ficado mais rápido do que a vida, como se nossos músculos, ossos e sangue estivessem correndo atrás de um tempo mais rápido.

As utopias liberais do século 20 diziam que teríamos mais ócio, mais paz com a tecnologia. Acontece que a tecnologia não está aí para distribuir sossego, mas para incrementar competição e produtividade, não só das empresas, mas a produtividade dos humanos, dos corpos. Tudo sugere velocidade, urgência, nossa vida está sempre aquém de alguma tarefa. A tecnologia nos enfiou uma lógica produtiva de fábricas, fábricas vivas, chips, pílulas para tudo.

Temos de funcionar, não de viver. Por que tudo tão rápido? Para chegar aonde? A este mundo ridículo que nos oferecem, para morrermos na busca da ilusão narcisista de que vivemos para gozar sem parar? Mas gozar como? Nossa vida é uma ejaculação precoce. Estamos todos gozando sem fruição, um gozo sem prazer, quantitativo. Antes, tínhamos passado e futuro; agora, tudo é um "enorme presente", na expressão de Norman Mailer. E este "enorme presente" é reproduzido com perfeição técnica cada vez maior, nos fazendo boiar num tempo parado, mas incessante, num futuro que "não pára de não chegar".

Antes, tínhamos os velhos filmes em preto-e-branco, fora de foco, as fotos amareladas, que nos davam a sensação de que o passado era precário e o futuro seria luminoso. Nada. Nunca estaremos no futuro. E, sem o sentido da passagem dos dias, da sucessibilidade de momentos, de começo e fim, ficamos também sem presente, vamos perdendo a noção de nosso desejo, que fica sem sossego, sem noite e sem dia. Estamos cada vez mais em trânsito, como carros, somos celulares, somos circuitos sem pausa, e cada vez mais nossa identidade vai sendo programada. O tempo é uma invenção da produção. Não há tempo para os bichos. Se quisermos manhã, dia e noite, temos de ir morar no mato.

Há alguns anos, eu vi um documentário chamado Tigrero, do cineasta finlandês Mika Kaurismaki e do Jim Jarmusch sobre um filme que o Samuel Fuller ia fazer no Brasil, em 1951. Ele veio, na época, e filmou uma aldeia de índios no interior do Mato Grosso. A produção não rolou e, em 92, Samuel Fuller, já com 83 anos, voltou à aldeia e exibiu para os índios o material colorido de 50 anos atrás. E também registrou, hoje, os índios vendo seu passado na tela. Eles nunca tinham visto um filme e o resultado é das coisas mais lindas e assustadoras que já vi.

Eu vi os índios descobrindo o tempo. Eles se viam crianças, viam seus mortos, ainda vivos e dançando. Seus rostos viam um milagre. A partir desse momento, eles passaram a ter passado e futuro. Foram incluídos num decorrer, num "devir" que não havia. Hoje, esses índios estão em trânsito entre algo que foram e algo que nunca serão. O tempo foi uma doença que passamos para eles, como a gripe. E pior: as imagens de 50 anos é que pareciam mostrar o "presente" verdadeiro deles. Eram mais naturais, mais selvagens, mais puros naquela época. Agora, de calção e sandália, pareciam estar numa espécie de "passado" daquele presente. Algo decaiu, piorou, algo involuiu neles.



Lembrando disso, outro dia, fui atrás de velhos filmes de 8mm que meu pai rodou há 50 anos também. Queria ver o meu passado, ver se havia ali alguma chave que explicasse meu presente hoje, que prenunciasse minha identidade ou denunciasse algo que perdi, ou que o Brasil perdeu... Em meio às imagens trêmulas, riscadas, fora de foco, vi a precariedade de minha pobre família de classe média, tentando exibir uma felicidade familiar que até existia, mas precária, constrangida; e eu ali, menino comprido feito um bambu no vento, já denotando a insegurança que até hoje me alarma. Minha crise de identidade já estava traçada. E não eram imagens de um passado bom que decaiu, como entre os índios. Era um presente atrasado, aquém de si mesmo. 

A mesma impressão tive ao ver o filme famoso de Orson Welles, It's All True, em que ele mostra o carnaval carioca de 1942 - únicas imagens em cores do País nessa década. Pois bem, dava para ver, nos corpinhos dançantes do carnaval sem som, uma medíocre animação carioca, com pobres baianinhas em tímidos meneios, galãs fraquinhos imitando Clark Gable, uma falta de saúde no ar, uma fragilidade indefesa e ignorante daquele povinho iludido pelos burocratas da capital. Dava para ver ali que, como no filme de minha família, estavam aquém do presente deles, que já faltava muito naquele passado.



Vendo filmes americanos dos anos 40, não sentimos falta de nada. Com suas geladeiras brancas e telefones pretos, tudo já funcionava como hoje. O "hoje" deles é apenas uma decorrência contínua daqueles anos. Mudaram as formas, o corte das roupas, mas eles, no passado, estavam à altura de sua época. A Depressão econômica tinha passado, como um grande trauma, e não aparecia como o nosso subdesenvolvimento endêmico. Para os americanos, o passado estava de acordo com sua época. Em 42, éramos carentes de alguma coisa que não percebíamos. Olhando nosso passado é que vemos como somos atrasados no presente. Nos filmes brasileiros antigos, parece que todos morreram sem conhecer seus melhores dias.





E nós, hoje, nesta infernal transição entre o atraso e uma modernização que não chega nunca? Quando o Brasil vai crescer? Quando cairão afinal os "juros" da vida? Chego a ter inveja das multidões pobres do Islã: aboliram o tempo e vivem na eternidade de seu atraso. Aqui, sem futuro, vivemos nessa ansiedade individualista medíocre, nesse narcisismo brega que nos assola na moda, no amor, no sexo, nessa fome de aparecer para existir. Nosso atraso cria a utopia de que, um dia, chegaremos a algo definitivo. Mas, ser subdesenvolvido não é "não ter futuro"; é nunca estar no presente.

domingo, 5 de setembro de 2010

A hora e a vez da ecologia mental! Leonardo Boff


No dia 2 de fevereiro de 2007 ao ouvir em Paris os resultados acerca do aquecimento global dados a conhecer pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) o então Presidente Jacques Chirac disse:”Como nunca antes, temos que tomar a palavra revolução ao pé da letra. Se não o fizermos o futuro da Terra e da Humanidade é posto em risco”. Outras vozes já antes, como a de Gorbachev e de Claude Levy Strauss pouco antes de morrer. advertiam: “ou mudamos de valores civilizatórios ou a Terra poderá continuar sem nós”. 

Esse é o ponto ocultado nos forums mundiais, especialmente o de Copenhague. Se for reconhecido abertamente, ele implica uma autocondenação do tipo de produção e de consumo com sua cultura mundialmente vigente. Não basta que o IPCC diga que, em grande parte, o aquecimento agora irreversível é produzido pelos seres humanos. Essa á uma generalização que esconde os verdadeiros culpados: são aqueles homens e mulheres que formularam, implantaram e globalizaram o modo de produção de bens materiais e os estilos de consumo que implicam depredação da natureza, clamorosa falta de solidariedade entre as atuais e as futuras gerações. 

Pouco adianta gastar tempo e palavras para encontrar soluções técnicas e políticas para a diminuição dos níveis de gases de efeito estufa se mantivermos este tipo de civilização. É como se uma voz dissesse: “pare de fumar, caso contrário vai morrer”; e outra dissesse o contrario: “continue fumando, pois ajuda a produção que ajuda criar empregos que ajudam garantir os salários que ajudam o consumo que ajuda aumentar o PIB”. E assim alegremente, como nos tempos do velho Noé, vamos ao encontro de um dilúvio pré-anunciado. 

Não somos tão obtusos a ponto de dizer que não precisamos de política e de técnica. Precisamos muito delas. Mas é ilusório pensar que nelas está a solução. Elas devem ser incorporadas dentro de um outro paradigma de civilização que não reproduza as perversidades atuais. Por isso, não basta uma ecologia ambiental que vê o problema no ambiente e na Terra. Terra e ambiente não são o problema. Nós é que somos o problema, o verdadeiro Satã da Terra quando deveríamos ser seu Anjo da Guarda. Então: importa fazer, consoante Chirac, uma revolução. Mas como fazer uma revolução sem revolucionários? 

Estes precisam ser suscitados. E que falta nos faz um Paulo Freire ecológico! Ele sabiamente dizia algo que se aplica ao nosso caso:”Não é a educação que vai mudar o mundo. A educação vai mudar as pessoas que vão mudar o mundo”. Precisamos destas pessoas revolucionárias, caso contrario, preparemo-nos para o pior, porque o sistema imperante é totalmente alienado, estupificado, arrogante e cego diante de seus próprios defeitos. Ele é a treva e não a luz do túnel em que nos metemos. 

É neste contexto que invocamos uma das quatro tendências da ecologia (ambiental, social, mental, integral): a ecologia mental. Ela trabalha com aquilo que perpassa a nossa mente e o nosso coração. Qual é a visão de mundo que temos? Que valores dão rumo à nossa vida? Cultivamos uma dimensão espiritual? Como nos devemos relacionar com os outros e com a natureza? Que fazemos para conservar a vitalidade e a integridade de nossa Casa Comum, a Mãe Terra? 

Não dá em poucas linhas traçar o desenho principal da ecologia mental, coisa que fizemos um inúmeras obras e vídeos. O primeiro passo é assumir o legado dos astronautas que viram a Terra de fora da Terra e se deram conta de que Terra e Humanidade foram uma entidade única e inseparável e que ela é parcela de um todo cósmico. O segundo, é saber que somos Terra que sente, pensa e ama, por isso homo (homem e mulher) vem de húmus (terra fecunda). O terceiro que nossa missão no conjunto dos seres é de sermos os guardiães e os responsáveis pelo destino feliz ou trágico desta Terra, feita nossa Casa Comum. O quarto é que junto com o capital natural que garante nossa bem estar material, deve vir o capital espiritual que assegura aqueles valores sem os quais não vivemos humanamente, como a boa-vontade, a cooperação, a compaixão, a tolerância, a justa medida, a contenção do desejo, o cuidado essencial e o amor. 

Estes são alguns dos eixos que sustentam um novo ensaio civilizatório, amigo da vida, da natureza e da Terra. Ou aprendemos estas coisas pelo convencimento ou pelo padecimento. Este é o caminho que a história nos ensina.

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