É hora de parar de olhar para o dedo e prestar atenção para onde a greve das/os professoras/res aponta.
Frei Gilvander Moreira
A greve dos professores da Rede
Estadual de Minas Gerais, como uma ocupação
de propriedade que não cumpre a função social, revelou uma grande ferida: um
problema social que com certeza não existiria se o povo mineiro tivesse
recebido, historicamente falando, uma educação pública de qualidade.
Uma professora, cujo nome fictício é
Maria (é melhor não citar o nome para evitar retaliação), escreveu-me dizendo:
“Tenho estado em sala de aula há 24
anos, desde 1987. Fui parar numa sala de aula da Rede Estadual de Educação de
Minas Gerais por amor à profissão e por incentivo salarial, pois quando
comecei a lecionar, em 1987, o nosso Salário Base (vencimento básico) correspondia
a três salários mínimos (hoje, R$1.635,00) para quem lecionava de 5ª à 8ª
série, e cinco salários mínimos (hoje, R$2.725,00) para quem lecionava para o
Ensino Médio. Tinha perspectiva de carreira profissional. Com
o tempo, vi a nossa situação piorando ano a ano, suportável durante algum
tempo, mas há 9 anos sinto-me no fundo do poço. Sou mãe e tenho dificuldades
para manter as despesas da casa. Moro de aluguel, não consigo viajar de férias
há uns seis anos, dependo de um Plano de Saúde que não funciona (IPSEMG),
gasto dinheiro com antidepressivos para conseguir trabalhar dois horários em
condições que não carecem de serem descritas aqui. Sei que existem outras/os
professoras/res em situações piores e me firmo nisso para não cair no desespero
diante das consequências dessa nossa luta que é justíssima.”
Essa é a realidade da maioria
esmagadora das/os professoras/res em Minas. É isso que sustenta a mais longa
greve de Minas. Não é a direção do SINDUTE e alguns deputados, como alegam os
que não ouvem os clamores ensurdecedores de milhares de professoras/res, como o
descrito acima.
É insensatez o governador Antonio
Anastasia, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça de Minas pensarem que
vão resolver um grave problema social como o suscitado pela greve dos
professores com repressão, com canetada judicial mandando voltar para a sala de
aula, com propagandas mentirosas nas TVs (em horário nobre), jornais e Rádios.
Injustiça como a que estamos vendo com os trabalhadores e com a própria
educação em Minas não pode ser jogada para debaixo do tapete.
Aos que se vangloriam com a decisão do
desembargador Roney Oliveira, do TJMG, “mandando” os professores voltarem para
as salas de aula sem o atendimento das suas reivindicações, recordo o que disse
Jean Jacques Rousseau: “As leis são sempre úteis aos que têm posses e nocivas
aos que nada têm.”
A questão levantada pelos professores
de Minas, em greve há 103 dias, é um grave problema social que se resolverá
somente com política séria que passa necessariamente pelo respeito à Lei
Federal 11.738/08, que prescreve Piso Salarial Nacional – vencimento básico,
sem artifício de subsídio – de 1.187,00, segundo o MEC[2] e 1.591,00,
segundo a CNTE[3].
É uma injustiça que clama aos céus o
Governo de Minas (PSDB + DEM) pagar como vencimento básico somente 369,00 para
professora de nível médio por 24 horas; somente 550,00 (quase 1 salário-mínimo)
para professor/a que tem um curso universitário e só agora, pressionado,
prometer pagar só 712,00 (só a partir de janeiro de 2012) para todos os níveis,
inclusive para educador/a com mestrado e doutorado. Insistir em política de
subsídio é continuar tratando a educação como mercadoria e matar a conta-gota a
categoria dos professores já tão esfolada. Será que vão querer, em breve, privatizar
também a educação de 1º e 2º graus?
Um provérbio chinês diz: “Quando
alguém aponta, os sábios olham para onde o dedo aponta e os idiotas olham
para o dedo”. As/os educadoras/res de Minas estão apontando para a
necessidade e justeza de construirmos em Minas um sistema educacional público
de qualidade. Isso é cultivar o infinito potencial de humanidade com o qual
todo ser humano chega à nossa única casa comum: o planeta Terra. Mas,
tristemente, muitos só vêem o dedo dos professores: os estudantes de hoje sem
aula. E os milhões de estudantes de agora em diante, poderão ser alijados do
direito a uma educação pública e de qualidade?
Às/aos professoras/res que não estão
participando da greve e a todas as pessoas que não estão ajudando na luta justa
dos professores de Minas, em greve, quero recordar o que nos ensinou Bertold Brecht:
“Primeiro levaram os negros. Mas não me
importei com isso. Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários. Mas
não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os
miseráveis. Mas não me importei com isso, porque eu não era miserável. Depois
agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego. Também não me
importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com
ninguém, ninguém se importa comigo.” Afinal, a colheita sendo boa ou ruim,
entre todas/os será dividida.
Dispõe o artigo 205 da Constituição de
1988 que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.
Como a educação, nos termos da
Constituição Federal, deve ser promovida e incentivada visando o pleno
desenvolvimento da pessoa, não pode um/a professor/a, conforme o relato acima
calar-se diante de tanta injustiça do Estado no trato com a educação. Educa-se
com o testemunho, com a ação. Professor/a que está na rua, exerce e ensina
cidadania, reivindica a efetivação de direito social, fundamental. Luta por um
novo sistema educacional que passa pela valorização justa de cada profissional
da educação.
Ao fazer greve, os professores não
estão sendo violentos, mas estão lutando pela superação de uma violência que os
atinge cotidianamente. Violentos estão sendo o governo, o poder judiciário e o
capitalismo que impõem um peso tremendo nas costas das/os educadoras/res e não
reconhece o imprescindível papel que elas/es cumprem neste país.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 18 de
setembro de 2011