Para a
maioria das pessoas, a realidade social é assunto muito complicado, simples
motivo para que não se lance nenhum olhar (nem mesmo de reprovação) às
discrepâncias sociais que cercam a sociedade. Dessa forma, a desigualdade que
dela provém, com objetos e fenômenos próprios, é algo que ainda não desperta a devida
preocupação. Exceto quando dela se tira algum proveito.
As desigualdades
sociais surgem, obrigatoriamente, no mundo do trabalho, onde se enfrentam os
extremos antagônicos, que se voltam para interesses completamente distintos.
Afirmamos ainda que elas se estendem e se ampliam quando o assistencialismo se
traveste de políticas públicas, voltando-se à demandas setoriais, especificas,
paliativas e de progressiva dependência.
É justamente pela falta
de conscientização política, pela isenção com que se trata da questão social,
pela nulidade na unidade social, que se permite que a desigualdade social se
instale e se perpetue.
Falando sobre o que
seja desigualdade social, há que se pensar que essa questão abrange quesitos
mais amplos, tais como: raça - na diferenciação entre brancos e negros; gênero
- quando o homem se sobrepõe à mulher e vice-versa; orientação sexual – quando
a sexualidade é fator preponderante na formação do ser, ou de sua exclusão;
religião – quando se percebe que diferenças de credo orientam a formação social
e suas políticas; posições ideo-políticas – quando pensamentos e políticas
públicas são voltados para currais eleitorais e vínculos partidários, ou sob a
mesma, há a supressão destes, etc. Assim, é obrigatório dizer que todos esses
fatores convergem para um único destino: o surgimento e o reforço da
desigualdade social.
Analisando o que
dissemos acima, percebemos que a desigualdade social surge já no
“descobrimento” do Brasil, quando seus nativos se vêem espoliados em seus
patrimônios (artísticos, culturais, políticos, sociais, e, a seu modo,
econômicos). O histórico dessa invasão nos permite afirmar que essa
desapropriação gerou uma condição de subjugação e dependência que nos
caracteriza ainda hoje.
Isso posto, temos que a
dominação ideológica é fundamental para encobrir o caráter dominante e
alienador que se instala no Brasil e em todo mundo, com o que é o cerne da desigualdade
social: o capitalismo.
Baseamos nossa
afirmativa na análise dos trechos a seguir:
“A história das sociedades,
cuja estrutura produtiva baseia-se na apropriação privada dos meios de
produção, pode ser descrita como a história das lutas de classes”. (1)
Essa afirmativa nos reporta à subalternidade da classe não
portadora dos meios de produção que, acuada e sem conscientização política,
deixa-se cair na não representatividade, acreditando-se mera co-adjuvante nos
meios de produção capitalista. Aqui se dá o início da polarização social, com
efeito favorável aos capitalistas.
“A crítica feita pelo
marxismo, à propriedade privada dos meios de produção, dirige-se, antes de
tudo, às suas consequências: a exploração da classe de produtores não
possuidores, por parte de uma classe de proprietários, a limitação à liberdade
e às potencialidades dos primeiros e à desumanização de que ambos são vítimas.
Mas o domínio dos possuidores dos meio de produção não se restringe à esfera
produtiva: a classe que detém o poder material é também a potência política e
espiritual dominante”. (2)
Percebe-se aqui o jogo
tendencioso que desfavorece as massas, uma vez que, deixando-se subjugar,
encontram-se vitimizadas pela opressão, pela imposição histórica de situações
degradantes e constrangedoras, e, num conjugamento de forças, que vai do
instinto de conservação ao ímpeto de destruição quando se submetem entre si
mesmos dentro de seus círculos. Além disso, há que se considerar a dominação
coercitiva que vai dos meios políticos, ao controle irrestrito da fé, que, não
fugindo à regra épica, se torna objeto de mercantilização e pólo centralizador
do poderio.
“Os regulamentos das
corporações medievais opunham forte resistência à transformação do mestre em
capitalista, ao limitar, por meio de rigorosos editos, o número máximo de
oficiais e aprendizes que tinha o direito de empregar, e ao proibir-lhe a
utilização de oficias em qualquer outro ofício que não fosse o seu. Além disso,
era permitido aos comerciantes comprar qualquer tipo de mercadorias, menos a
força de trabalho, uma vez que, para transformá-la em capital, o possuidor de
dinheiro precisava encontrar no mercado o trabalhador livre, desde um duplo ponto
de vista: primeiro, (...) tem que ser uma pessoa livre, que disponha (...) de
sua força de trabalho como (...) sua própria mercadoria; segundo, tem que estar
livre de todo, por completo, não deve ter outra mercadoria para vender (...)”. (2)
Nessas assertivas, encontramos o princípio da
concorrência, que no universo capitalista, é o fator principal para o desprezo
do ser, uma vez que o mesmo passa a ser visto como detentor de capacidade
laborativa, mas não de consumo. Podemos afirmar, sem brecha para erros, que a
classe trabalhadora não conquista sua “liberdade” senão para ser estimulada ao
consumismo desenfreado, para que alimente o capitalismo, sendo bombardeado por
aquilo que ele ainda não conhece, tampouco tem necessidade. Essa é a lógica que
mantém viva uma engrenagem social: o capitalismo, que além de ser o vetor
desencadeante das desigualdades, é a base estruturadora das sociedades, nas
quais ele se dá. Além disso, é também a condição propícia para que seu detentor
atraia para si, a capacidade dominadora em todas as esferas, que vai do poderio
econômico, passa pelas decisões políticas e culmina na dominação religiosa.
Essa dominação se dá a
partir da detenção dos meios de produção, que deságua na concentração de renda,
e, para sua manutenção, vive do oferecimento de baixos salários e más condições
de trabalho, que culminam no desemprego, fome, mortalidade, marginalidade,
violência e tantas outras expressões que fomentam, evidenciam, mantém a
desigualdade social. A partir daí, é que se instalam também as outras formas de
dominação, todas elas originadas da econômica, quer seja a cultural, a
ideológica, a política e toda forma de cerceamento ao que poderia prover as
condições de cidadania.
São essas condições que
permitem o surgimento da estratificação social, (produzida também pela
estratificação profissional), o que, num pensamento lógico, contribui
consideravelmente para as desigualdades.
Ora, quando o ser não
tem acesso aos meios de escolarização, àquilo que poderia favorecer seus
expoentes, ao que lhe poderia evidenciar sua capacidade intelectual e
laborativa, é claro que ele estará à margem do que seja o processo de produção.
Isso o
levará a vender sua força de trabalho a título de sobrevivência. Recebendo seu
salário, que é o preço de sua força de trabalho, ele está em atividade
subordinada à classe capitalista.
É por isso que ele se sujeita,
conseqüentemente, a ser o “beneficiário” de políticas estatais, que são a forma
mais elaborada para atenuar os efeitos negativos do capitalismo sobre a
população:
Essas políticas, esses
serviços, públicos ou privados, devem ser encarados como a devolução à classe
trabalhadora, do produto por ela criado, mas não apropriado, sob uma nova
roupagem: a de serviços ou benefícios sociais.
Porém, vistos assim,
aparecem como sendo coisas doadas ou fornecidos ao trabalhador pelo poder
político, como expressão da face humanitária do estado ou de uma empresa
privada.
Voltando ao início do
texto, afirmamos que tal pensamento se dá em função do alheamento, da pouca
importância que se dá, e da falta de politização brasileira. Enquanto alguns se
preocupam com questões fúteis, há aqueles que se aproveitam disso. É nessa
relação que se criam as camadas sociais, e, dentro dessas camadas, a
polarização, os guetos, regidos por estatutos particulares: onde ser homem ou
mulher, velho ou jovem, branco ou negro, heterossexual ou homossexual,
representante deste ou daquele partido, daquela ou daquela religião, tal ou
qual cidade ou bairro, é que são fatores determinantes da inserção ou exclusão
social.
É nessas desigualdades
que os “agentes coletivos” e não apenas os “agentes políticos” devem intervir,
com a consciência das possibilidades de enfrentamento do que seja a questão
social e suas expressões.
O capitalismo reforça a
má distribuição de renda e é o fator causal, desencadeante, mantenedor e
agravante das desigualdades sociais. Logicamente é por suas dinâmicas e
contradições que ele, aliado ao Estado, busca legitimação através de uma
pseudodemocracia, atuando junto às demandas das classes subalternas, fazendo
com que aí, incidam políticas que teoricamente devem se ajustar às necessidades
da população. Surgem então os desmandos, os abusos, os desvios e as condições
propícias para o estabelecimento da dependência de programas que existem tão
somente para promover “doações” daquilo que na verdade deveria ser
obrigatoriedade do Estado, em franco combate às disparidades provocadas pelo
capitalismo.
Essas disparidades se
refletem especialmente sobre a qualidade de vida da população, interferindo na
expectativa de vida, contribuindo para a mortalidade infantil, o analfabetismo,
enfim, o declínio social.
As desigualdades são
frutos das relações sociais, políticas, culturais e, mais sensivelmente, das
relações econômicas impostas pelo capitalismo. Elas se constituem de um misto
de todos esses fatores e são promovidas à sua máxima potência, quando da
isenção do Estado, que se assume impotente, para não dizer inoperante, onde
deveria ser sua atuação, ou se limitando a projetos e programas que simplesmente
atenuam as desigualdades sociais, quando se voltam à condicionalidades.
Essas condicionalidades
podem se traduzir na presença do estado mínimo, que aumenta ainda mais as
disparidades sociais, reforça a dependência econômica, e não promove o ser, em
detrimento de condições propícias e adequadas à implementação de programas de
desenvolvimento, políticas de bem estar social, organização e administração de
serviços. Dessa forma, encontramos o
pensamento dado por Montaño (2009: 80): “a atenção à pobreza, (...) é mais uma ação
de conter as sublevações sociais e não uma das formas dos serviços estatais
assegurarem direitos aos mais espoliados (...). Vistas como inimigas pública da
ordem, as massas empobrecidas são estrategicamente mantidas na exclusão, o que
reforça sua impotência e desorganização. Com isto, o poder político dominante,
além de impedir seu reconhecimento como classe e sua participação nos grupos
institucionalizados, a mantém como alvo de promessa e demagogia populista”.
Pela lógica,
encontraremos seres alienados, alijados dos poderes, conseqüentemente das
decisões. Esse será o caminho para a exclusão social, raiz frondosa do que é a
desigualdade social, fazendo com que o que era pobreza econômico-financeira se
transforme em pobreza social e política.
“Proletários de todos os países, uni-vos”.
Responsabilizar agentes
púbicos pelo que é a sociedade brasileira, é, no mínimo, responsabilizarmos a
nós mesmos. Tal responsabilidade nos recai pelo simples fato de também sermos
agentes sociais. Em outras palavras, também somos responsáveis pelas
desigualdades; se não pelo voto inconsciente e sem propósitos, será pela
omissão e conivência silenciosa com que nos situamos face aos problemas
sócio-institucionais.
A desigualdade social
também não passa apenas pelos tentáculos capitalistas, mas, ela se instala aí,
quando nos deitamos às imposições do consumismo. Ela nasce de nossa
indiferença, quando somos ingerentes com nosso poder de decisão, quando nos
isentamos de nossas responsabilidades ou insistimos no “jeitinho” para driblar
as leis ou contornar situações que poderiam nos desfavorecer.
Assim, quando
oferecemos respaldo à isenção do Estado, ou quando o favorecemos, dotando-o de
um caráter social emergencial e sazonal, nós o qualificamos como provedor
paternalista, confundindo o que seria seu papel e esquecendo-nos de qual seria
nossa obrigação e sua obrigação. Dessa forma, a desigualdade social será aquilo
que do estado nós o fizermos. De outra forma, ou se aceita o convite de Marx,
ou se coloca a favor de uma máquina de destruir homens.
1- O Manifesto Comunista.
2- Um Toque de Clássicos.