Publico hoje aqui, neste espaço, um texto escrito por meu ex-aluno e meu amigo Ralei Pereira Matos. Ralei é uma pessoa maravilhosa que eu tive o prazer de conhecer. Desempenha com responsabilidade e carinho os vários papéis sociais: filho, irmão, marido, pai, amigo, aluno, funcionário público, espírita, entre outros. É uma dessas pessoas que quando a gente entra em contato é impossível sair sem aprender alguma coisa e, no período que pude ser sua professora aconteceu essa maravilha da educação: um aprendendo com o outro.
Aproveito, mais uma vez, esta oportunidade para convidar os demais alunos/as e ex-alunos/as a também fazerem uso desse espaço para divulgarem suas idéias. Isso me deixará muito feliz! Desejo um bom domingo e uma ótima semana à todos/as
Farei uma breve explicação acerca dos três temas a que me
refiro, e procurarei enlaçá-los ao final deste texto.
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Basta
chegar o fim do ano, e nós nos preocupamos em -
vestidos de branco, porque atrai coisas boas - fazer as infindáveis
promessas de fim de ano: parar de fumar/beber; fazer exercícios físicos; sermos
mais assíduos em nosso espaço religioso; terminarmos o livro que começamos
(isso há 3 anos); entregarmos os cd’s que pegamos emprestado mas não ouvimos,
sermos mais tolerantes com quem nos
cerca e por aí vai. Só quem se entrega a esses devaneios sabe que a
lista é enorme e nosso esforço é inversamente proporcional.
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Sou
do tempo em que, devido ás condições financeiras dos pais, nós levávamos os
poucos cadernos e cartilhas num saco plástico de antiga marca de arroz, ou
quando muito, numa sacolinha/capanga de chita feita por minha mãe. Hoje, nos
alvoroçamos para comprar toda a lista do material escolar, e permitimos que
nossos filhos nos deixem de cabelo em pé, porque querem os cadernos do artista
da vez, do cantor de sucesso ou do desenho animado mais engraçado. O engraçado
é que fazemos seus gostos, não importando o valor da “conta”, para que no
vejamos livres desse terror!
·
Há
dez anos sou funcionário público, lotado em escola estadual. Em todos esses
anos, já me sinto “íntimo” dos “pais de
dezembro”. Nós os chamamos assim porque, tendo todo o ano para acompanhar o
desempenho escolar de seus filhos e igual oportunidade para ir à escola
verificar os projetos pedagógicos escolares; se inteirar (e opinar) sobre a
aquisição de merenda; participar das reuniões bimestrais; lutar por melhorias
em todos os aspectos da educação, enfim, se tornar parceiros ativos da escola e
da vida escolar de seus filhos; eles aparecem apenas no fim do ano quando seus
filhos “reclamam” que os professores os reprovaram. Aí a coisa fica feia! Eles
xingam, gritam, chamam o programa sensacionalista (aqueles mesmos a que se
entregam durante toda manhã e tarde, quando poderiam ter ido á escola,
responsabilizando-se efetivamente pela formação de seus filhos), vão ao órgão
responsável pela educação, e, em palavras mais comumente empregadas: armam o
maior barraco!
O que esses três temas tem em comum?
Muito. Estão em forma, teor e corpo entrelaçados e indissociáveis. Explico-me:
Dentre as promessas que fazemos ao fim do ano, deveríamos abrir espaço para a
melhor delas: Antes do “gasto” com a escola de meu filho, devo pensar no
“investimento” que isso representa. Lembro-me que, há trinta anos, quando eu me
iniciava nas letras, o mais comum era que os pais dormissem às portas das
escolas para ver se conseguiam a vaga para seus filhos. Fora o tal “exame de
seleção”, teste aplicado aos alunos que saíam da 4ª série e desejavam ingressar
em afamada escola. Isso nos deixava em pânico. Esse eu não fiz, pois, acabou no ano em
que terminei a 4ª série. Nessa mesma época, nossos pais compareciam à todas as
reuniões. O melhor é que não passávamos de ano automaticamente, como é comum
nos dias de hoje (exceto nas séries terminais). Havia ainda - mesmo que as escolas fossem controladas com
punhos de aços por Diretores quase vitalícios (hoje há o processo eletivo nas
escolas estaduais) - a presença em massa dos pais no acompanhamento das atividades
escolares, nos desfiles com fanfarras, no hasteamento da bandeira e
apresentação do Hino Nacional (trauma! não podíamos errar a letra). Em outras
palavras, a educação era levada a serio. Não é como é hoje, quando as escolas
apenas viram depósito de filhos de pais desinteressados, que acham que
mandá-los à escola serve como punição, ou apenas mais um lugar para passar o
tempo. Desculpem-me! Não tenho a intenção da generalização, mas, aquele que se
encaixar aqui, sabe do que falo.
Hoje, aos 37 anos, casado (esposa
professora) e pai de um filho, é que tenho a oportunidade de fazer faculdade (SERVIÇO SOCIAL, com todas as letras e
orgulho!!!!). Por imperativos da vida, essa oportunidade se me fez agora.
Dentre os irmãos, tenho um que terminou o ensino médio. Os outros não passaram
da antiga sexta série - hoje sétimo ano do ensino fundamental. Minha mãe - que
queria ser professora (tenho o mesmo desejo), não terminou a 4ª série porque
meu avô vivia se mudando de uma cidade para outra. Isso não configura empecilho
para mostrar meu boletim, minhas provas e trabalhos a ela que, mesmo não
entendendo muita coisa, me chama a atenção quando não gosta de uma nota ou
percebe a letra mal feita (eu fiz caderno de caligrafia, alguém se lembra!?).
A Constituição Federal de 88
(art.205); o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90, art. 4 e 53 ao
59) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96, art. 2°) têm uma
particularidade: obrigam o poder público a oferecer a educação - Direito Social
- sem contudo eximir os pais e a
sociedade dessa mesma responsabilidade.
Donde se conclui que todos temos a mesma obrigação.
Como não nos envolvermos, então, com
o que é nossa obrigação? Como transferir essa responsabilidade aos outros? Como
nos alhearmos? Como abrir mão desse direito/obrigação, uma vez que, gora, não
madrugamos às portas das escolas? Como responsabilizarmos os professores diante
de nosso fracasso e nulidade no que tange à vida escolar de nossos filhos?
No mínimo, deveríamos agir com o
mesmo interesse quando, ao comprarmos os materiais escolares, optamos pela capa
mais bonita em detrimento do bom e velho caderno brochurão. Ora, não escrevemos
nas capas! No entanto, no início de cada ano, vemos um desfile de fichários,
pastas, mochilas, bolsinhas tais e canetas das cores mais diversas. Pena que ainda
não ensinamos nossos filhos a usá-los da melhor forma e com o devido interesse
no decorrer do ano. E o que dizer da biblioteca? Quantos livros incentivamos a leitura? Quanto
conhecimento deixarmos se perder em meio à teias de aranhas, poeira e má
conservação? Quantas escolas contam com o devido aproveitamento desse ambiente?
Esse é o espaço menos aproveitado nas escolas públicas. O negócio é assinar a
Caras, a Quem, a Contigo e outras tais quais. Camões? Graciliano? Lispector?
Ora, ora, isso não é coisa para ser lida. Bom é o Big Brother! Isso sim, é
cultura e interesse nacional, afinal, é melhor saber quem está namorando quem,
quem deixou ou traiu quem, o resumo das novelas, o que aquele/aquela artista
tem comido ou deixado de comer etc.
Dessa forma, me pergunto: o que
fazemos com nossos filhos? Que futuro eles terão? Que incentivo nós lhe damos?
Qual nossa responsabilidade nesse processo?
Não pensamos nisso como se deve. Fica
mais fácil matricular meu filho numa escola de futebol ou permitir que minha
filha morra de fome para tentar (e tem de conseguir!) a carreira de modelo. É
mais fácil assim. O mundo está assim. Nós estamos assim. Nós queremos assim.
Nós deixamos assim.
É uma pena. Esse é o resultado de
nossas (vãs) promessas de fim de ano. Esse é o início de todo ano letivo. Esse
é comportamento dos pais de dezembro.
Ainda há tempo. Reavaliemos nossas
promessas de fim de ano e incluamos aí, o interesse pela vida escolar de nossos
filhos e o devido acompanhamento desse processo. Isso não permitirá que sejamos
pais apenas em
dezembro. Isso se refletirá mais tarde quando, engenheiro,
médico, gari, pedreiro, faxineiro, advogado etc., tenhamos feito o que nos cabe
na indicação dos caminhos de nossos filhos. Isso é o que devemos fazer.
Eu digo com orgulho que não tive pais em dezembro, apesar de só agora
fazer faculdade.
O ano letivo se inicia na próxima semana.
Vamos esperar que ele se acabe para ver o resultado?