Criaram-se
programas para cuidar de problemas de saúde dos estudantes: de cárie a doenças
mentais
NA LISTA DAS cem
pessoas mais influentes do mundo elaborada pela revista "Times", em
que aparece a presidente Dilma Rousseff, há um personagem internacionalmente
desconhecido. Chama-se Geoffrey Canada e é o criador de uma experiência num
bairro de Nova York (Harlem) que está moldando o jeito de combater a pobreza e
melhorar a educação nos Estados Unidos.
O jornal "The New York Times" considera o projeto um dos mais ousados experimentos sociais do nosso tempo. O caso é estudado nas melhores escolas de negócios americanas como um exemplo de gestão inovadora. Nas palestras sobre inovação educacional a que tenho comparecido, o nome de Canada quase sempre é lembrado.
Por ter encantado políticos e milionários que moram
Intitulado Harlem Children"s Zone, o projeto ganhou notoriedade quando Barack Obama decidiu criar um fundo para replicá-lo em todo o país. Suas lições certamente são úteis para o Brasil.
Canada tem uma daquelas biografias notáveis. Negro, de família pobre, nasceu no South Bronx, bairro nova-iorquino que era considerado símbolo da degradação urbana. Decidiu estudar educação e conseguiu se formar nas melhores universidades americanas. Seu gosto pelas lutas marciais deu-lhe habilidade para intermediar conflitos nas comunidades dominadas por gangues. Virou professor de tae kwon do para ajudar os jovens a controlar seus impulsos violentos.
Quando iniciou o projeto, há 14 anos, o educador Canada estava interessado especialmente em melhorar o desempenho dos estudantes. "Percebi que não iria muito longe se quisesse melhorar apenas a escola", diz ele. Era necessário mudar muitos outros fatores que influenciam no aprendizado. Traçou como meta dar às crianças do bairro a mesma rede de proteção oferecida a um estudante de classe média. "Para mudar a escola, precisávamos mudar toda a comunidade, começando pelos pais."
Daí iniciou uma operação quadra por quadra para criar essa rede de proteção e justamente aí surgiu a solução inovadora.
Por uma dessas coincidências da vida, meus dois filhos estudavam numa escola experimental pública localizada nas proximidades do Harlem, onde havia efervescência de experimentações comunitárias, entre as quais a de Geoffrey Canada. Essa efervescência no fim da década de 1990 era chamada de "Harlem Renascença", numa referência ao tempo dos artistas que viviam no bairro. Foi ali que Martin Luther King articulou seu movimento por direitos civis.
Para Canada, tratava-se de educar não apenas os estudantes mas toda a comunidade a fim de criar redes de proteção.
Criaram-se programas para cuidar dos mais diversos tipos de problema de saúde dos estudantes: de cárie a doenças mentais, passando por asma e bronquite.
Lançaram projetos para lidar com álcool, drogas e violência doméstica. Futuros pais passaram a receber aulas sobre como cuidar de seus filhos.
Mutirões ajudaram a recuperar áreas degradadas. Montaram-se programas de orientação vocacional. Em suma, surgiu uma articulação de quase tudo o que é necessário para alguém prosperar.
Canada articulou uma rede educativa que abrangia da creche ao fim do ensino médio, com uma preparação para a faculdade.
Surgiram escolas públicas independentes para que a comunidade pudesse escolher (e demitir) seus diretores e professores, além de estabelecer o próprio currículo.
O tempo de aula foi ampliado e foram criadas atividades extracurriculares para descobrir habilidades de crianças e adolescentes.
Não é um projeto que possa ser aplicado facilmente no Brasil. Canada tem uma fila de doadores e gasta, por ano, quase R$ 100 milhões. Mas o poder público, em qualquer lugar, tem a capacidade de induzir a organização e a articulação de diversos serviços da comunidade.
Como estamos discutindo no Brasil as portas de saída para nossos programas de distribuição de renda, vemos como a melhor solução começa numa ofensiva "hiperlocal", integrando todos os recursos.
Há nessa experiência uma mensagem transgressora: a de que é muito pouco tentar melhorar apenas a escola, esquecendo o cuidado com toda a comunidade.
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO - 01/05/11