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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O PROCESSO DE TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA EDUCAÇÃO: duas experiências em questão



Este trabalho pretende apresentar duas experiências de serviço social no campo educacional, a primeira, um recorte da relação do assistente social em uma atividade sócio-ocupacional, emergente se comparado a outras realidades, mas que por sua vez, a experiência relatada conta com uma história de 20 anos de serviço social escolar. A segunda apresenta um ensaio extensionista em que se demonstra à contribuição dos estudantes de serviço social identificando que o saber não é uma totalidade própria a um único campo de conhecimento, - a pedagogia de Paulo Freire está repleta de contribuições interdisciplinares – e o serviço social bebendo no grande educador pernambucano pode encontrar sua ação profissional e contribuir para a construção de “um outro mundo possível”. É, portanto fundamental apreender os limites e possibilidades de uma ação educativa inserida num universo multicultural crítico e transformador.
A Eseba escola de aplicação da Universidade Federal de Uberlândia tem em seu quadro uma assistente social desde 1988. Fato que para a época foi uma conquista significativa, sendo vanguarda no serviço social na cidade e, até os dias de hoje esse posto de trabalho permanece na instituição pública federal de educação e tem um espaço que foi consolidado. Porém, o trabalho desenvolvido anterior a agosto de 2008 não tinha a totalidade dos registros disponíveis nos arquivos do Serviço Social e houve projetos importantes desenvolvidos pelas assistentes sociais com adolescentes que não foram localizados os registros. Havia informação do trabalho de modo fragmentado, não foi possível divisar uma linha de tempo para os eventos do processo de trabalho profissional. Nos poucos registros encontrados pode-se perceber que houve uma expressiva presença do serviço social na relação com a educação. Um fato digno de nota, que em certa medida, fez parte da história do serviço social em seu vasto campo de atuação é que, principalmente, entre os anos 1980 e boa parte dos 1990 o serviço social passou por momentos de crises em relação a sua identidade e assim, o profissional desse período assumiu muitas atribuições que, ora, se caracterizavam por sua competência ora, eram demandas ou requisições que não compunham o conjunto de processo de trabalho pertinente à categoria, mas a prática sincrética do serviço social favoreceu uma permeabilidade a amplo espectro de ações profissionais entendidas como de sua competência nesse bojo de possibilidades que vão além do traço polivalente que a profissão enseja.
A prática sincrética, contudo, tem irradiações de outro alcance que o traço polivalente. Enquanto se mostra o padrão recorrente do exercício profissional, não só se apóia em parâmetros sincréticos e culturais que o referenciam. A pouco e pouco, a sua estrutura sincrética penetra esses parâmetros: a prática sincrética tanto faz emergir elaborações formal-abstratas sincréticas quanto as requisita. (NETTO, 2007, p.107)
Assim, a assistente social “fazia de tudo” de papel de eventual em sala de aula até entregar recados e documentos do trânsito administrativo, sem falar na velha função fiscalizadora de mensalidades da “caixa escolar” junto às famílias dos alunos/as.
Assim, a ausência de identidade profissional acaba por configurar um grave problema de graves consequências, pois fragiliza a consciência social da categoria profissional, impedindo-a de ingressar no universo da "classe em si" e da "classe para si" do movimento operário. (MARTINELLI, p.19 1993)

Em 2008, assumimos a vaga de Assistente Social em função da profissional da unidade ter sido transferida. Inicialmente, o organograma nos vinculava ao núcleo psico-social da escola e para nossa surpresa quando procuramos as profissionais do setor a compreensão que tinham do nosso trabalho é que devíamos atuar em outro espaço que não aquele. Reforça-se na resistência de outros profissionais componentes da subalternidade profissional que Iamamoto (2008) destaca na análise histórica da categoria. Dessa forma, o primeiro embate de trabalho foi de ordem política. Assim, nos vinculamos oficiosamente ao “CARO aluno e professor[i] – no qual o processo de trabalho definia-se por atendimento a alunos/as, famílias e docentes, mais se configurando como uma ouvidoria da comunidade escolar, com a missão de distencionamento das contradições inerentes ao cotidiano.
Quando do momento de entrada no campo optamos por fazer uma análise de conjuntura dos elementos internos e externos à comunidade escolar e, daí em diante, propor um plano de trabalho para a diretoria institucional. Um facilitador para essa “leitura de mundo” (FREIRE, 1987) foi à participação ativa nas várias reuniões coletivas da Escola, em que foi possível apreender as dimensões do projeto político pedagógico, localizar os diversos campos de força e seus nucleamentos de natureza coletiva que interagiam no campo institucional. Como o espaço da educação possui seu código de linguagem específico, esse momento de aproximação com os demais profissionais, permitiu a captura de importante mecanismo dialógico de interação coletiva, - a linguagem.
O homem se comunica através de signos, e estes são organizados através de códigos e linguagens. Pelo processo socializador, ele desenvolve e amplia suas aptidões de comunicação, utilizando os modos e usos de fala que estão configurados no contexto sociocultural dos diferentes grupos sociais dos quais faz parte.. (MAGALHÃES, 2003, p.22)
O assistente social sintonizado com seu tempo está atento a esse importante detalhe do cotidiano pois que a linguagem está diretamente vinculada à trilogia da intervenção: teórico metodológico, técnico operativo e ético político[ii]. O teórico metodológico é apreendido gradativamente pelo assistente social uma vez que este não domina todos os conceitos de todas as competências profissionais e teóricas. Assim, necessita conhecer os códigos e referências teóricas para melhor compreender a epistemologia em que são matizados os métodos de trabalho. O técnico operativo se vale da linguagem para construir os consensos na implementação do processo de trabalho frente às contradições inerentes ao “mundo da palavra que constrói as coisas"[iii] entre homens e mulheres,- ou seja, o “savoir faire” que nos identifica no conjunto interdisciplinar da escola a partir de nossas especificidades profissionais. A linguagem no que se refere ao ético político nos remete ao mundo dos valores profissionais do assistente social quando se faz presente no comunicar uma fala crítica, pois, se fundamenta numa intransigente postura democrática e emancipatória para garantir politicamente a plena expansão dos indivíduos sociais na perspectiva da autonomia, recusa do arbítrio e do preconceito[iv] que configuram lesões profundas na história do povo brasileiro.
Como nos propusemos a tecer nesse ensaio aspectos do processo de trabalho, iniciamos nossa atuação a partir dos arquivos que nos foram legados pela colega que nos antecedeu. Pudemos constatar que havia documentação para arquivamento permanente e, a de uso corrente. Foi necessário fazer a separação desse material para colocá-los de modo disponível para uso. Foram abertas pastas e catalogadas as informações referidas. Como não havia mobiliário de escritório adequado solicitamos à administração as providências e assim pudemos organizar a parte de registros e documentação que estava dispersa. Foram criados formulários adequados ao processo de trabalho no que se refere ao técnico-operativo para execução das visitas domiciliares, atendimentos individuais, solicitação de comparecimentos e solicitação de encaminhamentos. A preocupação de realizar esse procedimento se deu para garantir o registro de trabalho, pois, havia muito pouca atividade disponível para consulta e memória. Um destaque especial para o formulário de Diagnóstico Sócio-econômico criado para traçar perfil dos alunos, o qual permitiu perceber no olhar sobre o contexto de trabalho, um modo próprio de atuação, a identificação das competências profissionais distintas entre a equipe interdisciplinar. Essa compreensão foi percebida não somente no trato cotidiano, pessoal, mas, pelos demais colegas. Pode-se dizer que o espaço profissional se firmou tendo como indicador o fato da gestora educacional procurar alternativas no serviço social bem como, aquiescer sobre questões de quebra de direitos de cidadania na comunidade escolar; a exemplo, - o modo impositivo como era tratada a relação de cobrança das doações voluntárias da caixa escolar. O serviço social se posicionou contrário ao processo autoritário e, em certa medida, ilegal no trato com a questão, vindo a convencer a equipe a partir de um exame da legislação até então desconsiderada. Outro momento significativo foi o da apresentação do  Plano de Trabalho profissional em que a direção do que foi proposto delineou-se a partir do conceito da matricialidade sócio-familiar, aplicado ao SUAS, como eixo fundante e, com enfoque especial, para a atenção às famílias vulneráveis que fazem parte da escola. Observou-se que por parte de algumas famílias há uma participação mínima, o que torna necessário acompanhamento mais sistemático e teleologicamente estruturado para contemplar os laços família/estudantes. Ao adentrar no campo da família emergiu novas colaborações do Serviço Social no que se refere à relação da Escola e o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. O diagnóstico nos primeiros atendimentos mostrou-se de pronto nas situações de violação de direitos das crianças e adolescentes na relação familiar e, por outro lado, embora a escola adotasse o procedimento de encaminhamento dos casos aos órgãos de direito, como é recente o protocolo de notificações ao Ministério Público e Conselho Tutelar, a escola foi tomando consciência da seriedade desse trabalho, atribuição do Assistente Social.
Outra experiência em escola pública da rede estadual propiciou-nos outro tipo de experiência. Dessa vez, associada a extensão universitária na qual estudantes de serviços social de 2º período, elaboraram conteúdos básicos aplicados a um grupo de estudantes da 3ª série do Ensino Fundamental, versando sobre o tema da Carta da Terra (versão para crianças) e, outro grupo de estudantes de 6 º período de serviço social elaboraram uma cartilha de direitos sociais, discutindo os programas do SUAS (Bolsa Família e BPC) para debater com pré-adolescentes do 6ª série do Ensino Fundamental a importância dos direitos sociais e os mecanismos de acesso. Os encontros foram durante 12 semanas duas vezes por semana com 50 minutos de duração após as aulas formais. Para nossa surpresa o impacto foi positivo em todos os sentidos, pois houve adesão dos secundaristas, e a direção da escola posicionou muito favorável aos temos abordados pois trouxe o olhar diferente para o debate das questões apresentadas. Um detalhe importante é que a adesão dos alunos secundarista foi voluntária e espontânea, e os trabalhos que eles fizeram foram expostos na escola e se sentiram valorizados e motivados na atividade.
Como um ensaio inicial de natureza extensionista, os alunos do curso de serviço social, da mesma forma, se mostraram implicados, considerando que as atividades transcorriam no final da tarde, por volta das 17h e muitos se desdobravam em suas atividades de trabalho para estar no horário combinado na escola estadual, onde as oficinas eram ministradas. Nos depoimentos dos alunos e alunas universitários foi unânime o nível de satisfação, em especial, pelo modo que a experiência se deu seguindo os parâmetros do projeto ético político profissional no sentido de tornar a garantia de direitos sociais amplamente discutida no âmbito da percepção dos pré-adolescentes, público diferenciado do ponto de vista dos contatos extensionistas.
Aqui se pretendeu trazer duas experiências de serviço social escolar, uma primeira, no recorte da relação do assistente social em uma atividade sócio-ocupacional, emergente se comparado a outras realidades, que por sua vez, conta com uma história de 20 anos, - um novo no velho. Pode-se notar que ao contrário do que alguns profissionais do campo educativo temem no tocante a uma disputa de espaço ocupacional, pode-se comprovar que tal temeridade, totalmente injustificada, não passa de uma incompreensão do papel do assistente social na educação. Desde que se permita nossa intervenção crítica, sintonizada a nosso projeto ético político, a sociedade tem muito a receber de nossa caminhada traçada na luta e nos espaços de garantia de direitos sociais.
Na segunda experiência pode-se notar que diferente do que se imagina na visão conservadora, o saber não é uma totalidade própria a um único campo de conhecimento, a pedagogia de Paulo Freire está repleta de contribuições interdisciplinares sem ferir em absoluto, a meritória atividade docente dos profissionais da educação. É, portanto fundamental apreender os limites e possibilidades de uma ação educativa inserida num universo multicultural. O serviço social vem fazendo sua trajetória crítica e tem conseguido demonstrar com ética e profissionalismo as suas habilidades e competências promotoras da cidadania, da liberdade e da garantia de direitos sociais.
A nosso ver, a construção do processo de trabalho do assistente social na educação se consolidará independente de qualquer ação externa de pessoas ou grupos. Não é algo que dependa intrinsecamente de uma articulação política ou técnica. O que não quer dizer que, a ação das organizações classistas e os Conselhos sejam ignoradas, elas têm sua importância no processo como estruturadoras da atividade profissional quando esta for definitivamente assumida na cultura.
Defendemos que a própria contradição da sociedade capitalista é na ordem direta de seus desdobramentos o fator propositivo a este espaço ocupacional. À medida que as contradições capital/trabalho se acirram, a questão social tende a expandir sua complexidade nos vários setores da atividade humana. A educação sempre foi incorporada na vida social como uma instituição para tecer consensos, mediar a relação antropológica do homem e da mulher com o mundo das coisas na cultura. Invariavelmente os fenômenos contemporâneos envolvendo a família e a escola provoca a emergência de uma demanda na instituição escolar que desde a LDB (1996), e os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) sugerem uma profissional de formação interdisciplinar com competências entre o público, o privado e o comunitário, para fazer as mediações que se apresentam como demandas de trabalho envolvendo a comunidade escolar posto que, a escola sai de dentro dos seus muros para fazer uma caminhada na comunidade em sua dimensão política de formação crítica.
Abreu (2008) apropriadamente fala em seu trabalho de uma “pedagogia emancipatória” e é partindo dessa ideação crítica que poderemos ir tecendo nosso processo de trabalho, talvez mais que uma pedagogia, mas uma práxis emancipatória que possa pensar uma educação outra, - não a educação das reformas -, mas a da transformação social para a autonomia dos sujeitos.



[i]C.A.R.O. aluno e professor –Coordenação Acadêmica para Relação e Orientação ao aluno e professor. Este espaço institucional tem o objetivo de desenvolver um trabalho educativo no sentido de intermediar situações de conflito relativas às questões disciplinares, atendendo às necessidades de alunos/as e professores/as.
[ii] GUERRA, (1995)
[iii] Para Lacan (1998, p.277) é o mundo das palavras que cria o mundo das coisas, ESCRITOS.
[iv] O código de ética profissional defende o reconhecimento e a defesa de 11 princípios fundamentais. São eles: liberdade, direitos humanos, cidadania, democracia, equidade e justiça social, combate ao preconceito, pluralismo, construção de uma nova ordem societária, articulação com pos movimentos de trabalhadores, qualidade dos serviços prestados e combate a toda espécie de discriminação.

REFERÊNCIAS

ABREU, M. M. Serviço social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2008.

CRESS. Legislação social: cidadania, políticas públicas e exercício profissional. CRESS 11ª Região: Curitiba, 2006.

IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GERRA, Y. A instrumentalidade do serviço social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo: Cortez, 1993.

NETTO, J.P. Capitalismo monopolista e Serviço social, São Paulo: Cortez, 2007.

CARVALHO, R. de, IAMAMOTO, M. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 2005.

MAGALHÃES, S. M. Avaliação e linguagem: relatórios, laudos e pareceres. São Paulo: Veras; Lisboa: CPIHTS, 2003.

CFESS. Em questão: atribuições privativas do assistente social. Brasília, Distrito Federal: CFESS, 2002.

AUTORES: Flander Almeida Calixto e Odete Dan Ribeiro


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