Alguns meses atrás eu escrevi, neste espaço, sobre “O Aluno
Cliente”, onde faço algumas reflexões como estas, que o Professor Igor escreve
aqui, com muita propriedade.
Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de
casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte , um
estudante processa a escola e o professor
que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem
bem: o alegado "dano moral" do
estudante foi ter que... estudar!).
A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças
constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno.
O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro.
O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua
vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas
eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos
ambientes escolares.
Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada.
A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à
autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência
supostamente democrática.
No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas
que "era proibido proibir". Depois, a geração do "não bate, que
traumatiza".
A coisa continuou: "Não reprove, que atrapalha".
Não dê provas difíceis, pois "temos que respeitar o perfil dos nossos
alunos". Aliás, "prova não prova nada". Deixe o aluno
"construir seu conhecimento." Não vamos avaliar o aluno. Pensando
bem, "é
o aluno que vai avaliar o professor". Afinal de contas, ele está pagando...
o aluno que vai avaliar o professor". Afinal de contas, ele está pagando...
E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação
geral epidêmica, travestida de "novo paradigma" (Irc!), prosseguiu a
todo vapor, em vários setores: "o bandido é vítima da sociedade",
"temos que mudar `tudo isso que está aí'; "mais importante que ter
conhecimento é ser `crítico'."
Estamos criando gerações em que uma parcela considerável
de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os
problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e,
pior, dotados de uma delirante certeza de que "o mundo lhes deve
algo".
Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou
uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor.
Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.
Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos
os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla
defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito
mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a
ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal a o autor do
homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao
célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo
da faca:
EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende
relativizar tudo e todos,equiparando certo ao errado e vice-versa;
EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que
romantizam a "revolta dos oprimidos"e justificam a violência por
parte daqueles que se sentem vítimas;
EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do
politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no
histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para
tumultuar e cometer crimes em outras escolas;
EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e
doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem
tranqüilas, provas de mentirinha, para "adequar a avaliação ao perfil dos
alunos";
freqüentados por alunos igualmente sem condições
de ali estar;
EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de
diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o
conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;
EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente,
cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual, finge que
não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais
do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;
EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus
alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do
IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu
"tantos por cento";
EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham
pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega
deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e
moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno "terá direito" de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;
moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno "terá direito" de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;
EU ACUSO os que agora falam em promover um "novo
paradigma", uma " nova cultura de paz", pois o que se deve
promover é a boa e VELHA cultura da "vergonha na cara", do respeito
às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um
ambiente de busca do conhecimento;
EU ACUSO os "cabeça – boa" que acham e ensinam
que disciplina é "careta", que respeito às normas é coisa de velho
decrépito,
EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se
tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em
troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;
EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos
políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores
que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.
EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que
impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os
professores sejam "promoters" de seus cursos:
EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas
desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão
quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos
incidentes maiores;
Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos
-clientes serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e
totalmente despreparados,tanto tecnicamente para o exercício da profissão,
quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia.
Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de
grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial
arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de
"o outro".
A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica,
hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: "Se eu tiro nota
baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se
me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema.
Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha,
paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu
queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão.
Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo."
Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer
motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no
professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É
hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e
invencionices. A melhor "nova cultura de paz" que podemos adotar nas
escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de
seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.
Igor
Pantuzza Wildmann
Advogado – Doutorem Direito. Professor
universitário.
Advogado – Doutor
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