Se os acadêmicos espíritas brasileiros compreenderem de
fato a que vem o espiritismo, perceberão que o pensamento espírita – assumido
como uma visão de mundo, um método de conhecer e, portanto, um novo paradigma –
é justamente uma possibilidade original de filosofar, de fazer história ou
ciência. E essa originalidade pode ser uma contribuição espírita à cultura
brasileira e, ao mesmo tempo, uma contribuição brasileira à cultura
internacional. Mas ela precisa ser construída. Está implícita em Kardec, mas
longe de estar aplicada (com todas as suas articulações) nas várias áreas do
conhecimento. E essa construção só pode ser feita na universidade. Em minha
tese de doutorado Pedagogia espírita, um projeto brasileiro e suas raízes
histórico-filosó ficas (USP, 2001), procurei fazer isto. Não significa jogar
fora as conquistas de 2500 anos de desenvolvimento filosófico e científico (que
vêm desde os gregos), apenas para sermos originais.
Aliás, o próprio espiritismo – poderão alegar – é uma
doutrina importada da França, com antecedentes e condicionamentos históricos.
Mas, encarando essa herança como parte constitutiva de nossa cultura (pois é
isso que se tornou) e buscando articular o pensamento espírita na sua
coerência, originalidade e com nossa pitada de brasilidade, faremos o que nos
compete para que o espiritismo dê a sua contribuição ao mundo.
O Brasil é atualmente o único país que pode fazer isso, se abdicarmos da colonização intelectual, pois foi na Europa e nos EUA que os estudos espíritas foram silenciados. Na educação, fiz isso, mostrando que as raízes da pedagogia espírita vêm desde Sócrates e Platão, passando por Comenius, Rousseau e Pestalozzi, para desembocar
À coragem moral, deve-se aliar a competência, porque é
preciso estar muito bem fundamentado para se fazer validar, ou pelo menos
respeitar, algo fora do sistema. Estar fora do sistema explica-se em países
onde o espiritismo desapareceu. Mas onde ele criou raízes e tem convicções
entre pesquisadores, por que mantê-lo afastado da universidade, como se fosse
suspeito?
O momento é propício e urgente para abrirmos caminho. Propício, porque podemos alegar que a representatividade social e cultural que o espiritismo adquiriu na sociedade brasileira lhe dá o direito de ser representado na universidade, como um discurso científico, ou ao menos filosófico. Se não nos deixarem fazer isso, então se trata de patrulhamento ideológico, que devemos denunciar. Urgente, porque, em benefício do próprio espiritismo, temos de compreendê-lo e praticá-lo como fermento cultural, para mudar as estruturas do pensamento humano e não apenas como mais uma religião que distribui passes, sopa e água fluida. Temos de fazê-lo, como queria Kardec – ciência, filosofia, ética racional, religiosidade universal, de forma competente e bem articulada – o que é indispensável para enfrentarmos a crítica de fora, mas impossível, se ficarmos fechados em nós mesmos.
Espanta-me que intelectuais espíritas, que deveriam compreender o espiritismo como um novo paradigma de conhecimento, o adotem apenas como credo religioso. São cientistas na universidade e espíritas no centro espírita, como se freqüentassem mais uma igreja, sem nenhuma conexão com suas vidas de pensadores e pesquisadores. Apenas se vencermos essa covardia ou cegueira, o espiritismo cumprirá sua missão histórica, que não é a de fazer proselitismo, mas de oferecer uma alternativa de visão de mundo respeitável e reconhecida, que se faça valer nesse espaço tão rico e antigo como a universidade, recuperando- a como um lugar de debate plural para enfrentar os desafios deste milênio.
Fonte: http://universidade-espirita.blogspot.com/2008/11/o-espiritismo-e-universidade-por-dora.html
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