O fim de ano traz de volta a questão que fecha o célebre soneto de Machado de Assis: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”.
Alguns dizem que mudamos sempre para sermos os mesmos. Somos nós que mudamos ou mudam as circunstâncias?
Alguém pergunta: e se Jesus nascesse hoje? Ele, decerto, seria o mesmo: pobre, excluído, perseguido.
Mas a cidade seria muito diferente: condomínios fechados, prédios com seguranças, casas com cercas elétricas sobre os muros e nenhuma estrebaria
O presépio teria lugar sob alguma marquise ou debaixo de um viaduto. Não havendo cocho nem palha, o berço seriam caixas de papelão.
Na falta do calor dos animais, o fogo aceso em latas por moradores de rua que tomariam o lugar dos pastores.
Em vez de ouro, incenso e mirra, o que teriam esses magros substitutos dos Reis Magos para oferecer ao Menino e a seus pais?
Um gole de cachaça, um marmitex requentado, uma pedra de crack?
Há quem até tire de cena esse dramático presépio para compor um quadro trágico, como o poeta Gabriel Bicalho que vê Maria “na fila do sus / abortando jesus!”.
Vamos prosseguir com cenários mais otimistas: Jesus nascendo em uma barraca, num campo de refugiados mantido pela ONU. O rei Herodes é agora apenas uma figura bíblica, mas existem poderes que cedem à xenofobia.
Talvez a sagrada família esteja fugindo com imigrantes ilegais na América do Norte, junto a ciganos e muçulmanos na Europa ou no meio de tribos derrotadas na África, para escapar da prisão ou de um serviço completo de limpeza étnica.
Pode ser ainda que Jesus cresça na favela e que, não querendo se tornar serviçal dos traficantes, seja um dos meninos a entregar bilhetes de boas-vindas aos soldados que trazem a possibilidad e da paz. Ou quem sabe, em outro cenário de conflito, Jesus seja um dos alunos da escola do MST que se destacou no ENEM? Talvez, por fim, Jesus tenha vindo morar, adotado, em nossa casa. Ele é “a criança tão humana que é divina”, como no poema de Fernando Pessoa: “é o divino que sorri e que brinca”.
Quando assiste ao telejornal ao nosso lado, ele “ri dos reis e dos que não são reis, tem pena de ouvir falar das guerras e
dos comércios”. Ele brinca com nossos sonhos, dizendo “que não há mistérios no mundo” e que a vida vale a pena.
Afonso Guerra-Baião
OBS: Recebido através de e-mail, enviado por minha amiga Bete Pupin
Nenhum comentário:
Postar um comentário