Desde que teve início,
a operação realizada nos morros do Rio de Janeiro é uma das únicas coisas que
se ouve falar nos jornais. Em pouco tempo o assunto já não valerá mais nada e
será descartado pela mídia. Esse comportamento vampiresco dos grandes meios de
comunicação é deveras prejudicial ao Brasil, e o caso do Rio é um grande
exemplo disso.
Os números de mortos e
feridos se amontoam nos jornais – não há novidades, as matérias são quase as
mesmas. O dia a dia dos policiais da operação é o mais novo reality show da TV
brasileira, e no primeiro dia da ocupação, o Jornal Nacional poderia ter mudado
de nome para Big Brother Favela. “A guerra no Rio de Janeiro” é uma das mais
repetidas frases de efeito. Mas, afinal, de que guerra que estamos falando?
Desde quando a escravidão
foi se tornando insustentável e o capitalismo foi ganhando força, os pobres e escravos alforriados foram
ocupando as margens da cidade e a periferia. O morro também é periferia, mas
uma periferia vertical é que são periferias verticais. Falta de escola,
emprego, justiça, saúde, e até comida existiram por ali desde sempre. Falta de
Estado, de poder público. E como sabemos, se o Estado não assume o poder,
alguém vai assumir. No caso dos morros, foi o tráfico quem assumiu uma boa
parte.
E não digo
traficantes, mas o tráfico mesmo. O traficante, por mais poderoso que pareça, é
só mais um fantoche, um soldado que mata e que morre em nome de uma rede invisível
maior, que também lava dinheiro, compra políticos, faz tráfico de órgãos, de
seres humanos, realiza travessias internacionais com cargas enormes de drogas e
armas, e tem sucursais em diversos países. Mas a maior parte do poder na favela
foi assumida pela fome, pela ignorância, pelo desemprego e pela doença, que
fazem, de longe, mais vítimas que
o tráfico de drogas.
Combater traficantes é
isso: aproveitar um momento para entrar no morro, na base de tanques e balas,
numa apoteose da violência legitimada. Combater o tráfico é uma outra coisa:
num mundo capitalista, o dependente químico é o cliente, a droga é a
mercadoria, e o tráfico é o mercado.
Os traficantes são
apenas mercadores da droga, e a lei da oferta e procura continua imperando.
Dessa forma, enquanto não há saúde e políticas públicas para tratar dependência
química, a droga seguirá como uma mercadoria de alta procura e extremamente
rentável. A reorganização do tráfico é uma forte pressão feita por diversos
segmentos da mesma sociedade que hoje o execra.
Infelizmente o combate mais importante para a favela até
hoje não foi travado pelo Estado. Por mais violenta que seja, a realidade do
tráfico de drogas não é capaz de ser mais violenta do que uma criança morrendo
de fome, ou o analfabetismo político. Essa guerra está distante de ser
enfrentada, e como já dizia o controverso Capitão Nascimento “O único braço do
Estado que entra na favela é a polícia”.
Depois da ocupação,
alguns agentes de saúde até subiram o morro, mas isso não
representa nem o mínimo. Essa munição não faz nem cócega no batalhão da
anti-cidadania que assola as favelas. Além do mais, a ‘guerra’ que se vê na TV não
foi decretada em combate ao tráfico de drogas, e nem em nome do povo, para que
a dignidade ocupe o espaço deixado pela saída dos traficantes. Sem nenhuma ingenuidade, essa foi uma
ocupação ‘pra inglês ver’, literalmente, pois as olimpíadas e copa do mundo
estão quase chegando, e mais próxima ainda está a consagrada virada de ano no Rio,
quando a cidade enche de turistas, turistas que não pensarão duas vezes em
mudar de destino caso se sintam inseguros. Além da bandeira do Brasil e do
estado do Rio, hasteadas no cume do morro, deveria ter sido hasteada em um
mastro mais alto a bandeira verde com um cifrão bem robusto no meio. Dinheiro, capitalismo.
Os grandes comandantes dessa guerra.
Quando o Big Brother
Favela perder a graça, a mídia vai jogar fora esse assunto. Justo no momento de
mais importância: o de ver o que ocupará o lugar dos traficantes no morro. E
agora, sem o sangue jorrando ladeira abaixo, sem a visibilidade do tráfico que
invadia até o lugar das elites com suas drogas, quadrilhas organizadas e bem
equipadas, que visibilidade vai ter aquela população da favela, que agora não
tem voz para chorar sua dor nem com gritos de bombas e tiros? Pelo visto, a
verdadeira guerra não será televisionada.
Assistente social e
escreve também no blog:
www.cartadesmarcada.blogspot.com
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