Anualmente, nesta data, a Organização das Nações
Unidas para o Alimento e a Agricultura, promove o Dia Mundial da Alimentação.
Neste ano somos convocados a caminhar “Unidos
contra a Fome”. Quem sabe para recuperar o tempo perdido e, assim, atingir o
compromisso da Cúpula Mundial da Alimentação (Roma-1996) de reduzir pela
metade, até 2015, o número de seres humanos dizimados ou desfigurados pela
fome. Na época, oitocentos milhões; hoje em todo o mundo o número de famintos
oscila em torno de um bilhão!
A questão da
alimentação e da nutrição do povo brasileiro deveria ser tema prioritário para
a nossa decisão, em segundo turno, ao eleger quem vai governar e presidir a
Nação.
Alimento é vida! Sem oxigênio e água, sem ternura e
leite materno, sem pão e vinho, sem outros frutos da terra e do trabalho
humano, a vida desfalece e os dias cessam.
O Papa Bento XVI, na encíclica “Caridade na
Verdade” (2009), ajuda-nos a entender que não se trata de caridade e de assistência
social, mas de um direito humano básico que exige mudanças não só de hábitos
alimentares, mas do próprio modelo de desenvolvimento. Portanto, uma questão de
direito e de educação. Para a Igreja, a exclusão social que leva o ser humano a
definhar e morrer por falta de acesso ao alimento, é problema ético.
Segundo Bento XVI, a resposta coerente com a
realidade iluminada pela Fé nos leva a contribuir para salvar a vida da Terra e
a construção da paz. Alimento é caminho da paz. Neste milênio os conflitos se anunciam pelo controle dos recursos
naturais. Com um bilhão de famintos no mundo não podemos sonhar com a paz.
Assim, pois, neste início de milênio, torna-se
urgente o anúncio do Reino de Deus, do sentido e destino da criação e da
vocação à vida em comunhão, através de testemunho, diálogo e compromisso com a
preservação das fontes da vida e promoção do direito humano ao alimento e à
nutrição. Grande desafio, a motivação e formação da juventude para levantar e a
caminhar em busca de uma terra livre dos males da miséria e da fome. A sociedade que cultiva a justiça e partilha
o pão através de uma economia solidária, não convive com famintos e
necessitados.
No Brasil, além das condições e recursos
necessários, dispomos de precioso instrumento para atingir o compromisso com a
superação do quadro vergonhoso da exclusão social e dos males da fome.
Refiro-me à Lei Federal 11.947/2009, que dispõe sobre o Programa de Alimentação
Escolar, por sinal, a melhor contribuição do Governo Lula para os objetivos da
“Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”. Uma expressão que
brotou do coração inteligente do saudoso Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida em
reunião do Movimento pela Ética na Política, após o impeachment do presidente Collor (1992). Naquela ocasião, a
concentração de renda e o quadro escandaloso de famintos (32.000.000),
resultantes do modelo de desenvolvimento imposto ao país pelo Golpe de Estado
(1964), foram apontados como as formas mais perversas de corrupção em nosso país.
Sem dúvida, graças à ação da família, da sociedade
e dos governos, houve avanço significativo na redução da miséria e dos males da
fome através de iniciativas solidárias e de programas de assistência social,
tais como Bolsa Família; contudo, não se deve ignorar, que a insegurança
alimentar e nutricional, segundo estudos do IBGE e IPEA, paira sobre milhões de
lares brasileiros. O problema é maior e mais sério do que se admite, por causa
de alimentação insuficiente e/ou inadequada e pelo grau de envenenamento dos
alimentos.
Apregoa-se o continuísmo ou a continuidade, quando
precisamos de humildade, sabedoria, coragem e ousadia para uma nova e decisiva
arrancada. No substantivo, as propostas se igualam; divergem, nos
qualificativos e nas alianças.
Impressionou-me o testemunho e o compromisso do
Presidente Chileno Sebastian Piñera ao concluir a operação de resgate dos
mineiros soterrados durante setenta dias. Afirmou que é dever e tarefa
prioritária dos governantes investir em todas as áreas do trabalho humano para
garantir a segurança e a valorização do trabalho, a fim de que os trabalhadores
possam viver com dignidade e esperança.
Agora é hora de descer do palanque e demonstrar
competência e compromisso. Discussões e polêmicas insensatas, delirantes e
hipócritas impedem o debate sobre as primeiras e fundamentais exigências do bem
comum.
No
processo eleitoral, números e dados estatísticos atordoam, mas nada provam. A
estatística é verdadeira quando a realidade pesquisada tem rosto, nome e
endereço. A estatística é justa quando fundamenta a resposta do governante às
demandas e exigências da cidadania.
Em 1963, por ocasião do 1º Congresso Mundial do
Alimento, o Presidente J.F.Kennedy afirmava: “Temos os meios e recursos para
eliminar a fome da face da terra. Só nos falta vontade”!
Começando com as religiões, quem não tiver pecado,
atire a primeira pedra! A crise que atravessamos é mais profunda e abrangente
do que gostaríamos de imaginar. Parafraseando o profeta Jeremias (c14), a
violência corre solta no campo, a miséria e a fome torturam a cidade. Até os sacerdotes,
pastores e levitas, como baratas tontas, perambulam sem entender o que está
acontecendo.
Trata-se de uma crise provocada pelo esgotamento de
nossa civilização. Vivemos em sociedades excludentes e abortivas! Degradação
ambiental, violência, autoritarismo, machismo, são marcas características de
uma civilização guerreira e destruidora da vida.
A nova lei, embora mutilada, aponta o caminho de
transformação dessa realidade iníqua e blasfema através de um novo projeto de
desenvolvimento em que educação, de um lado, e, do outro, produção,
processamento, preparo e consumo de alimentos saudáveis, adequados e
solidários, a partir de cada micro região ou bacia, serão os principais
instrumentos para combater o êxodo rural, a exclusão social e os males da
miséria e da fome. Pensar e planejar o desenvolvimento do país debaixo para
cima e de maneira descentralizada.
Tratando-se
de uma Política de Estado, bem que até 2025 poderíamos planejar o surgimento de
um Brasil justo, solidário, saudável e inteligente, como exigência da
democracia, de per si incompatível com miséria e fome. Nossas crianças e
famílias merecem um projeto econômico de produção e consumo de alimentos
saudáveis, adequados e solidários, ou seja, uma nova ordem econômica com
mercado justo e solidário que não transforme alimento em moeda. A partir da nova
lei que dispõe sobre o programa de alimentação escolar, com recursos de fundo
constitucional, moeda produzirá comida! O novo modelo de desenvolvimento vai
exigir que outro seja o lastro da Balança Comercial. Jamais, o alimento!
Segundo
expressão popular, saco vazio não para em pé. Criança faminta
não cresce em
sabedoria. Esfrega a carteira escolar percorrendo com o olhar
o espaço vazio de sonhos e de festas. Não há modernidade que resista à fome de
uma criança.
Sentir
fome é um processo saudável quando se tem acesso à comida de boa qualidade e
abundante.
Para
que a criança possa efetivamente se educar precisa de carinho da família, de um
lugar em volta da mesa e de uma casa que lhe ofereça privacidade e salubridade.
E
a escola que a acolhe? Até hoje contemplo com orgulho o grupo escolar que me
acolheu na minha infância e me lembro com profundo respeito das nossas
professoras. Assim como a igreja de minha terra, o grupo escolar era para mim o
templo da sabedoria. Quase uma igreja!
Com
votos e preces de Paz e Bem, caminhemos a fim de que nenhuma criança morra
criança por causa da miséria e dos males da fome (Isaías 65).
Dom Mauro Morelli
Bispo Emérito da Diocese de Duque de
Caxias
Indaiatuba, SP, 16 de Outubro de 2010
Obs:
Artigo enviado, através de email, por minha amiga Carmem Lúcia Costa
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