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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Os Inconvenientes Insistentemente Ignorados na Educação.

Segue logo abaixo um breve relato de um educador da rede pública estadual de São Paulo.


Não apenas o sistema educacional do estado de São Paulo, mas de grande parte do Brasil está completamente abandonado. Infelizmente tem sido porta estandarte para todo tipo de oportunista com discurso bem elaborado, desejosos apenas em se dar bem à
custa dela.

Neste sentido, refiro-me às mais variadas personalidades deste estado que defendem fervorosamente a afetividade por parte do educador de maneira populista, sem sequer exercer ou querer exercer a atividade nesse meio, e também à atuação sindical, que há muitos anos, tornou-se estritamente política com ênfase em atividades de palanque. Contando ultimamente com a participação de personalidades políticas de âmbito federal consagradas por escândalos de corrupção, no intuito de utilizar a categoria como massa de manobra, através do ódio, para fortalecer os interesses dos partidos de oposição.

Reiterando que não é objetivo do presente texto manifestar uma opinião contrária à greve da categoria, mas sim contra os verdadeiros motivos pelos quais elas são organizadas.

Tem sido muito difícil atribuir credibilidade à atuação sindical, considerando que ela também tem ignorado uma série de falhas administrativas e de contrariedade constitucional por parte da Secretaria do Estado da Educação de São Paulo, entre elas a prova que contemplou aumento para apenas vinte por cento dos professores titulares de cargo.

Todo esse caos estabelecido neste setor, não é simplesmente uma questão de ingerência do governo e de sua respectiva secretaria, mas sim de um processo de décadas e complexo que envolve o conformismo de muitos, incluindo a própria categoria, a comunidade que necessita deste serviço e ao restante da sociedade pagadora de impostos.

Pode-se levar em consideração, também, que este processo de decadência deu- se no governo Paulo Maluf, entre o final dos anos 70 e início dos anos 80, de acordo com os professores mais antigos na rede, e que os sucessores do PSDB tenham dado continuidade a esse transtorno rebaixando diversos aspectos e segmentos de nossa atividade a meros números de tabelas estatísticas, com o único intuito de ser mais aprazível para com as exigências do Banco Mundial do que com as necessidades reais da população. Obviamente inclui-se nestes quesitos o maior absurdo de todos, que é a Aprovação Automática, formalmente intitulada de Progressão Continuada.

Sobre este sistema, de acordo com a opinião da maioria quase absoluta, o próprio senador Cristovam Buarque em resposta ao autor deste texto no “Twitter” disse que “a Progressão Continuada corresponde a dar alta a um paciente somente por que o tempo passou”.

Nestes últimos quinze anos, a Progressão Continuada não foi nada além de um artifício para manipular o número de aprovações ignorando completamente a qualidade da aprendizagem.

Convém lembrar, também, que falta aos professores a consciência de que todos são parte do sistema em que atuam e que se tudo isto que acontece em seu ambiente trabalho é consequência do individualismo e da desunião. A categoria tem perdido a própria identidade moral perante esta opressão, sem senso de coletividade e articulação para lutar pelos próprios direitos e zelar pelo bom andamento de seus deveres.

Digladiamos por motivos pequenos e sem zelo pelo próximo. Os maiores prejudicados com essa desorganização e falta de articulação somos nós professores, e o pior, “nossos
alunos”.

Entre vários exemplos, pode-se citar a atuação de um diretor de escola, que em geral, preocupa-se exclusivamente com os resultados das avaliações ignorando completamente o aprendizado do aluno.

Isso faz com que um professor trabalhe contrariado, pois para avaliar o desempenho de uma classe exige o empenho de horas a fio, fora do horário de trabalho, em meio a correções de provas e trabalhos, mas este tipo de cuidado e atenção tornam- se banais e desnecessários quando o desempenho da classe não está bom, pois será mais fácil para o diretor dizer ao professor que as notas não foram boas por que ele não soube ensinar bem, pouco importando se houve interesse do aluno em aprender.

Dentro deste lamentável contexto sinto-me na obrigação de dizer a Vossa Excelência que isto faz com que muitos docentes avaliem o aluno com exercícios superficiais somados a insignificantes notas de participação, manipulando assim todo o resultado na caderneta e no boletim neste processo de legitimação do falso.

Também que aluno se esforçará para melhorar se ele sabe que a passagem para o ano seguinte está garantida? Pois eu digo que são os poucos e raros exemplos, que incluem aqueles que os pais acompanham a vida escolar do filho.

Gostaria de entender o porquê do sindicato da categoria permitir que exista uma política de Progressão Continuada.

Eu não atuava na educação quando tudo isto começou, no governo Mário Covas com a secretária Rose Neubauer, se isto em vez de ser uma política fosse um bebê do sexo feminino, hoje já seria uma adolescente de quinze anos muito problemática e causadora de estragos.

A luta do professor não pode somente se resumir em melhoria de salário quando chegamos a um ponto em que perdemos toda a autoridade em sala de aula, além de toda a credibilidade perante a sociedade.

Há uma grande necessidade de expor a farsa que a profissão se tornou em função do descaso. Sob o pretexto da sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente, tornou-se rotina o aluno menor de idade nos ofender e fazer o que bem entende, pois ele está ciente de que não haverá a devida punição. Isso quando não tira nossa própria vida por tomarmos a devida iniciativa para livrar a escola do tráfico.

Falamos em projetinhos motivadores, quando uma escola particular de qualidade continua sendo conteudista com firme propósito em preparar o aluno para um vestibular e consequentemente para o mercado de trabalho.

Que participação um aluno de escola pública terá neste tão falado crescimento econômico, quando mal sabe ler e escrever? E no atual contexto, nada melhor que os resultados do Exame da Ordem dos Advogados, em que as principais falhas estão na educação de base.

Quanto às apostilas cedidas pelo governo, há um único objetivo, enriquecer as editoras e universidades que ganham a licitação para publicá-las. Como sou professor de inglês, respondo apenas pela disciplina que leciono e uma coisa é certa, não houve a menor preocupação na seleção de um conteúdo de acordo com a realidade da sala de aula.

Para nosso tipo de clientela, atividades mais dinâmicas com música são as mais aconselháveis e as mais próximas de um aprendizado satisfatório, mas com um currículo obrigatório e imposto, as coisas ficam mais difíceis, ainda mais levando em conta que o conteúdo imposto é extremamente avançado e de dificílima assimilação, são atividades direcionadas para quem tem um conhecimento prévio da língua com propósito de aperfeiçoá-la e não para quem está em fase de estímulo e aprendizado. Este
exemplo das apostilas mostra claramente a distancia que há entre as elites acadêmicas e o contexto real do ensino público. Uma distancia que representa a diferença entre a fantasia e a realidade. Por que não há trabalho de Campo para que os acadêmicos tenham uma participação direta na melhoria do ensino público?

Não tirando a credibilidade das publicações da imprensa em geral, que são baseados em números oficiais, a exemplo das últimas sobre a piora do desempenho em língua portuguesa, me deixa na obrigação de dizer que a coisa, na realidade, está muito pior, quando digo pior, é aquele pior que nenhum ser humano em sã consciência seja capaz de acreditar ou até mesmo imaginar, parafraseando o Capitão Nascimento da Tropa de Elite, “nada é tão ruim que não possa ficar ainda pior”.

Infelizmente, muito do que estou dizendo não está embasado em provas, mas sim de uma vivência de onze anos neste setor, onde fui testemunha de tudo que é inimaginável e que nem ousei relatar.

A educação subsiste de aparências e o rendimento do aluno está muito abaixo dos números oficiais. A exemplo do Saresp, a tarefa de corrigir redações é uma das mais árduas e decepcionantes, é a prova viva de que nossos alunos beiram o analfabetismo e que muitas vezes o professor que as corrige, as contempla com nota média para não prejudicar a escola. Mas para determinadas Diretorias de Ensino, tal procedimento é inaceitável, pois há comentários de que seus representantes se dirigem a escola ordenando os professores a adulterar estes resultados para notas boa e ótima.

Sabe o que atualmente acontece conosco? Metaforicamente temos uma função de buscar água de um rio a uma longa distância, mas o instrumento para tal função que nos é imposto é uma peneira, retornamos do rio carregando um punhadinho de água nas mãos, pois a maior parte não deu pra segurar, e ficamos alienados comparando quem conseguiu buscar mais água.

Fora isto, temos este salário vergonhoso que não compra a nossa própria dignidade, sem falar nas diferenças gritantes de salário causadas pela última avaliação de professores, que objetivou contemplar aumento para apenas 20% dos professores efetivos, independente do bom desempenho ter ultrapassado a marca dos 20% de professores, desmerecendo 80% da categoria que faz o mesmo trabalho.

Enfim, Ex.ma Deputada, o buraco da educação é bem mais fundo do que parece, desnudar esta realidade cruel exigiria o empenho de um jornalismo investigativo e audacioso para mostrar ao mundo a pouca vergonha que isto se tornou.

Quanto às soluções, estas dependem de uma política honesta, não digo isso como representante de oposição, e sim como professor e cidadão.

Cordialmente,

Rodrigo Rodrigues

Santos, 30 de julho de 2011.



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