RESENHA: COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistência social
na sociedade brasileira: uma equação possível? 3ª Ed – São Paulo: Cortez, 2008.
A presente obra nasce das preocupações
oriundas de um cenário de crescente desigualdade social gerada pela defesa do
capital que monopoliza a relação de trabalho, que espalha um contingente sem
precedentes de destituídos de direitos civis, políticos e sociais, regredindo,
portanto, os direitos historicamente conquistados, como o caso dos direitos
sociais. Seu objetivo é percorrer a trajetória dos direitos civis, políticos e
sociais, articulando o contexto da sociedade brasileira que ajuda esclarecer os
alicerces em que foram colocados, dando especial destaque para a assistência
social como última política a ser regulamentada no país no campo da seguridade
social. Está organizada em três capítulos, sendo que no primeiro a autora
estabelece as balisas teóricas sobre os direitos civis, políticos e sociais,
assim como o processo de sua construção na sociedade contemporânea, sua
expansão e adensamento. Já no segundo ela faz um recorte temporal para sua
análise, sendo 1930-1985, período este marcado por significativas implicações para
a constituição dos direitos civis, políticos e sociais. E por fim, no terceiro
aborda as novas configurações dos direitos sociais a partir da constituição de
1988, com destaque para a assistência social como política de direito social no
âmbito da seguridade social, a última área da seguridade social a ser regulada.
Resumo da obra:
No primeiro capítulo Couto considera a análise dos direitos no pensamento liberal e na ótica do Estado social, dando especial destaque para o papel do Estado. Os direitos civis foram conquistas efetivas no século XVIII, os políticos no século XIX, enquanto a construção dos direitos sociais nascem da relação entre Estado e Sociedade Civil por conta da emergência da Questão Social e a necessidade de seu enfrentamento. Neste sentido, a efetivação destes depende da intervenção estatal. Posto isso, a autora apresenta dois paradigmas que embalaram o movimento da conquista deles. Um foi defendido pelos jusnaturalistas que defendiam o direito natural, inerente ao homem e anterior ao Estado. Já o outro, diz respeito ao resultado do movimento da sociedade civil na histórica luta por sua conquista, fruto do conflito entre classes. Desse embate acirrado proliferam direitos, no entanto o fato de pô-los em lei não significa sua efetivação, pois sua consolidação requer um processo gradual.
A idéia do homem enquanto portador de direitos nasce da luta contra o absoluto poder da igreja e do rei nos séculos XVII e XVIII. Mas este homem é entendido como autônomo e livre, e isso é berço fecundo para o liberalismo. O conceito de liberdade pode ser negativa – que significa a liberdade de, e positiva – que significa a liberdade para. Aqui os cidadãos livres e autônomos eram os proprietários, pois os trabalhadores, devido a sua condição de subordinação, não são vistos como capazes de discernimento par usufruir dos direitos civis e políticos. Isso favorece apenas a venda da força de trabalho para quem pode comprar (os proprietários), proporcionando plenas condições para o desenvolvimento da exploração capitalista.
No entanto, a classe operária se organiza em 1917 na Revolução Russa e questiona as idéias liberais. E Montagne passa a defender o liberalismo social que propõe que as vítimas da exploração sejam ajudadas para evoluir, caso contrário se tornam peso morto que compromete seu desenvolvimento. Aqui nasce a idéia da tutela e do favor - concessão, antes mesmo da idéia do direito – conquista. Isso revoluciona o pensamento liberal a partir de 1930 e obriga o Estado a intervir. Keynes é autor da idéia de articular três vetores: eficiência econômica, justiça social e liberdade individual, isso requer intervenção estatal que promova justiça social, mas preservando a liberdade individual que favorece complemente a lógica liberal. Isso lembra o Welfare State, idéia que no Brasil não se consolidou devido os elementos que constituíram a formação do Estado brasileiro.
O meio que o Estado encontrou para efetivar os direitos sociais foi por meio de políticas públicas, com caráter redistributivo dos bens socialmente produzidos como forma de equilibrar o mercado. Sua concretização depende da intervenção estatal, que depende das condições econômicas existentes e isso se constitui um dos principais desafios para a materialidade das políticas sociais, embora elas sejam campo privilegiado em que a classe trabalhadora apresenta suas demandas. No entanto, o Welfare State entra em crise e os liberais a têm como causa dos investimentos em política sociais, por isso estado liberal efetiva um estado mínimo, que significa intervenção mínima. Com isso começa o desmonte dos direitos sociais outrora conquistados e o Estado passa a dividir com a Sociedade Civil suas responsabilidades, fazendo aumentar o campo da filantropia. No segundo capítulo a autora faz um recorte temporal para sua análise, sendo 1930-1985, período este marcado por significativas implicações para a constituição dos direitos civis, políticos e sociais. Ambos têm como parâmetro a questão do indivíduo, tendo especial diferença quando se refere aos direitos sociais.
Destaca a particular trajetória da construção dos direitos civis, políticos e sociais no Brasil, em função da formação socioeconômica e da cultura política brasileira. O berço de formação brasileira é o regime do trabalho escravo, do extrativismo e do ideário liberal que abre o Brasil para a exploração estrangeira. Neste sentido aqui se gestam os interesses de uma minoria interessada apenas em explorar as riquezas e para isso usam toda e qualquer força que lhe sejam lucrativas, no caso, num primeiro momento o trabalho escravo. É por isso que desde o início prevalecem os interesses privados aos públicos.
As constituições elaboradas transcreviam claramente os interesses da elite que era formada por grandes proprietários. Quando se começa a discutir os direitos políticos, devido a essa herança colonial, eles são destinados a um grupo seleto que poderiam exercê-lo. Isso se dá por conta da necessidade de romper com o absolutismo do poder da igreja e do rei. Aqui aparece a farsa que foi o direito ao voto instituído como direito político. Quando se deixa de explorar os negros para explorar os imigrantes europeus surge a necessidade de discutir os direitos sociais, pois grande parte da população estava a mercê da pobreza. Como não teriam capacidades produtivas, sob ponto de vista da elite, era necessário desenvolver ações que pudessem minimamente suprir suas necessidades. Isso é assumido pelo segmento filantrópico da sociedade, cujo lema era a caridade, legitimando a idéia de concessão, portanto, favor.
Neste contexto acontece que Couto chama de “... inversão do caminho...”, pois os direitos sociais são implantados, embora de cunho clientelista, primeiro que os direitos civis e políticos. Ela divide a discussões em dois períodos: 1930-1964 pré-ditadura militar e 1964-1985 ditadura militar. No primeiro período há a discussão e implantação de legislação para a área trabalhista, pois o trabalho seria o fator mais importante para o desenvolvimento do ideário liberal. Elucida, também, toda a mobilização dos movimentos combativos na direção da necessidade e urgências de enfrentamento das expressões da Questão Social já evidentes. E no segundo período toda a discussão da ditadura com vistas a abertura para a democracia. Apresenta as principais características dos governos dessa época e suas ações com base no desenvolvimento do país. O que percebe é o crescimento acelerado dos direitos sociais, tendo presente a idéia de concessão sob ponto de vista do Estado, e a demora para se efetivar os direitos políticos e civis.
A ousadia da autora está em afirmar que desde o início se elaboram leis apenas no papel, não necessariamente tendo que efetivá-las. No terceiro capítulo Couto aborda as novas configurações dos direitos sociais a partir da constituição de 1988, com destaque para a assistência social como política de direito social no âmbito da seguridade social, a última área da seguridade social a ser regulada. Ela analisa o processo de construção do sistema de proteção social no Brasil entre os anos de
Neste sentido, o Estado continua sendo um balcão de negociações e favoritismos políticos. Agora, apensar destas variáveis, o processo constituinte não deixou de ter sua importância, pois se constitui como um marco no campo da democracia, em que a classe trabalhadora, através dos movimentos sociais, consegue por em pauta suas reivindicações, abrindo canal de participação. A chamada Constituição Cidadã é elaborada em meio aos conflitos entre o paradoxo econômico e social. Para o campo do direito social, traz para a população o direito a universalidade nos direitos trabalhistas; para o campo do direito civil o direito de controle sobre a governabilidade e para o campo do direito político o direito ao voto para os analfabetos e a flexibilidade da formação dos partidos políticos. A CF/88 trazia em seu bojo a utopia de solucionar as desigualdades latentes através do Tripé da Seguridade Social: Saúde – universal não contributiva, Previdência Social – contributiva e Assistência Social – a quem dela precisar – não contributiva.
No entanto, assegurar no campo legal não significa efetivação. Apesar da CF/88 inovar no campo da assistência social, a ruptura com a cultura da tutela não se rompeu. Ainda mais em se tratando da lógica neoliberal: na assistência social se investe em algo que, na ótica do capital, não se tem retorno. Diante disso, as ações de assistência social tentaram incluir a população vulnerabilizada, mas de forma precária, não mudando a direção da sua condição de subalternizado, através da provisão dos mínimos sociais definidos pela Lei Orgânica da Assistência Social LOAS/93. Neste sentido não houve progresso nas ações assistenciais providas pelo Estado, e este aumenta a divisão de suas responsabilidades com a Sociedade Civil.
A autora enfatiza o Governo de Fernando Henrique Cardoso, que demonstrou três problemas no campo da assistência social: ferimento do princípio da justiça social, aumento da pobreza e a geração de enigmas através de “constrangedores testes e avaliações suspeitosas de pobreza”. Portanto, no campo legal a assistência social é direito do cidadão e dever do Estado, mas no campo da efetividade continua o conceito do tutelamento. Para Couto só há uma maneira de romper de vez com a cultura do favor e efetivar a CF/88 e a LOAS/93: quando a Sociedade Civil se apoderar dos canais de participação e controle social preconizados pela legislação e fazer valer seus direitos.
Na trajetória histórica que a obra retrata fica evidente que os resquícios culturais no campo do direito são fruto da formação sócio-histórica do Brasil. Desde então, os interesses particulares prevalecem sob os públicos. Disso resulta que qualquer benefício social seja olhado a partir da ótica da concessão e não do direito. Neste enfoque os direitos sociais são discutidos antes que os direitos civis e políticos, tendo com isso a idéia de que a população, em situação de vulnerabilidade e risco social, carece de favor e não tem capacidade para participar e decidir. Mesmo com a inauguração da CF/88 e da LOAS/93, no campo legal isso muda, mas no campo da efetividade, faz-se necessário um investimento maior no sentido de participação e controle social por parte da Sociedade Civil. Em seu texto, a autora parece não esperar a efetividade da lei através da iniciativa do Estado “... dever do Estado...”, mas de um movimento inverso “... direito do cidadão...” que possa exercer o controle social e mudar os rumos da assistência social no Brasil. Parece que a mesma mobilização que os trabalhadores fizeram para por em pauta as reivindicações para a constituinte, deve agora permanecer para efetivar a Constituição Cidadã tão almejada.
Analise:
Couto não aprofunda a discussão sobre a participação da sociedade nesse processo de efetivação de direitos, talvez não fosse essa sua intenção. Porém, vale lembrar que a Sociedade Civil milita num campo onde há disputas ferrenhas de interesses que por vezes são antagônicos. E esses embates desenham o rosto da participação e do controle social no país. Se este é o único caminho apontado por Couto, é preciso ter claro que estes canais de participação e controle social, no caso da Assistência Social os Conselhos Gestores, são dados pelo Estado e na maioria das vezes controlados por ele. Então, fica evidente que é necessário trabalhar na lógica da promoção da participação da Sociedade Civil nestes espaços públicos de controle das ações do Estado. Agora, quem fará isso? O Estado?
A relação com a experiência no processo de conhecer assunto abordado por Couto (2008) fica evidente através deste texto que é didático, histórico e claro onde discute a trajetória histórica dos direitos sociais e da assistência social em termos de realidade e nisso retrata a experiência da formação do Brasil e sua repercussão na construção dos direitos sociais. E também revela os direitos sociais como fruto da conquista da sociedade civil da qual faz parte. Seus escritos mostram que seu lugar de fala é de alguém que milita nos espaços públicos para a garantia de direitos.
O tipo de olhar que ela lança sobre a realidade tem conseqüências sobre o que capta dela, pois não é apenas registradora de resultados, mas analisa o movimento da sociedade civil em sua relação com o Estado a partir de sua experiência, como também do contexto histórico vivido. Isso mostra seu entendimento da relação entre sujeito que pretende conhecer e realidade a ser conhecida. Mostra assim sua consciência crítica ao pensar a realidade e não apenas descrever como num enlace histórico. A autora expressa objetivamente sua tese baseada em aspectos sócio-históricos que se constituem como evidência cientifica, pois sua metodologia de pesquisa não permite duvidar da veracidade dos fatos, haja vista suas fontes bibliográficas minuciosamente analisadas.
No entanto, ela não tenta impor sua visão de mundo como a única possível de ser considerada e também não apresenta pontos de vista divergentes dos seus. Ao contrário, serve-se da teoria existente a respeito do assunto, para respaldar idéias, baseando-se em autores capazes de dar suporte às suas reflexões.
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